sábado, 21 de abril de 2012

Verbo Sojigar


sojigar - verbo





so·ji·gar





paradigma flexional: alugar



Indicativo

Presente Pretérito

imperfeito Pretérito

perfeito Pretérito

mais-que-perfeito Futuro

imperfeito Futuro

perfeito (condicional)

sojigo

sojigas

sojiga

sojigamos

sojigais

sojigam sojigava

sojigavas

sojigava

sojigávamos

sojigáveis

sojigavam sojiguei

sojigaste

sojigou

sojigamos / sojigámos

sojigastes

sojigaram sojigara

sojigaras

sojigara

sojigáramos

sojigáreis

sojigaram sojigarei

sojigarás

sojigará

sojigaremos

sojigareis

sojigarão sojigaria

sojigarias

sojigaria

sojigaríamos

sojigaríeis

sojigariam

Conjuntivo / Subjuntivo Imperativo Infinitivo Outras formas

Presente Pretérito imperfeito Futuro Afirmativo

(Negativo) sojigar Gerúndio

sojigue

sojigues

sojigue

sojiguemos

sojigueis

sojiguem sojigasse

sojigasses

sojigasse

sojigássemos

sojigásseis

sojigassem sojigar

sojigares

sojigar

sojigarmos

sojigardes

sojigarem -

sojiga (sojigues)

sojigue

sojiguemos

sojigai (sojigueis)

sojiguem

Pessoal



sojigar

sojigares

sojigar

sojigarmos

sojigardes

sojigarem sojigando



Particípio passado

sojigado sojigada

sojigados sojigadas

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Pronomes ''o'' e ''lhe'' empregam-se em situações diversas


Por Thaís Nicoleti
Não são poucos os que fazem confusão na hora de usar os pronomes átonos. O problema é comum entre as formas de terceira pessoa (do singular e do plural), cujo correto uso depende do conhecimento da regência dos verbos.
Os verbos transitivos diretos têm como complemento as formas o, a, os, as, e os transitivos indiretos que regem a preposição “a” requerem as formas lheou lhes.
Verbos transitivos diretos são os que exigem como complemento um termo não preposicionado (fazer algo, comprar algo, saber algo, estimular algo, fomentar algo, ilustrar algo etc.); verbos transitivos indiretos têm como complemento um termo preposicionado (pertencer a algo, gostar de algo, conversar com alguém etc.).  
Os transitivos diretos sempre têm seu complemento permutável por uma forma átona (fazê-lo, comprá-lo, sabê-lo, estimulá-lo, fomentá-lo, ilustrá-loetc.), o que nem sempre ocorre com os indiretos. O complemento indireto substituível por “lhe” é o que se inicia pelo “a” (a ele = lhe, a eles = lhes), como ocorre com pertencer-lhe.
Há verbos que admitem os dois complementos, sendo, em geral, o indireto (lhe) o que se refere ao destinatário da ação. Assim: entregou-lhe o documento (a ele), devolveu-lhe o cargo (a ele), disse-lhe a verdade (a ele) etc.
Os pronomes “lhe” e “lhes” também se empregam em outra situação. Por vezes, assumem o valor aproximado de um pronome possessivo. É o que ocorre no exemplo a seguir:
Rousseau nasceu na Suíça e seu pai, o relojoeiro huguenote Isaac Rousseau, desde cedo estimulou-lhe o amor pelas letras e pela música.
É fácil perceber que o pronome “lhe” indica não aquilo que foi estimulado (que é o amor pelas letras e pela música), mas a pessoa que tinha amor pelas letras e pela música (estimulou o seu amor pelas letras e pela música). Caso semelhante ocorre em outro fragmento, no qual, entretanto, há também um uso inadequado do pronome “lhe”:
Mas o melhor mesmo é que não haverá um hesitante e contemporizador José Serra a lhe tolher as decisões e a impedir-lhede dizer certas verdades.
O primeiro “lhe” está correto (a tolher as suas decisões), mas o segundo não. O verbo “impedir” requer objeto direto de pessoa (impedir alguém de fazer algo), portanto “impedi-lo de dizer certas verdades” seria a construção correta.
O uso incorreto do “lhe” (no lugar das formas “o” e “a”) observa-se com certa frequência. Assim:
Eu lhe conheci no dia do seu aniversário, 14 de março, meu primeiro dia de aula na Faculdade de Direito.
Uma pessoa conhece outra, sem preposição, portanto o correto seria “eu oconheci” ou “eu a conheci”, dependendo do sexo da pessoa em questão. O mesmo tipo de problema ocorre no fragmento abaixo:
Em "Something for Everybody", lançado agora no Brasil, o grupo recupera, com o mesmo vigor, todos os elementos que lhe fizeram singular nos anos 1980.
O verbo “fazer” é transitivo direto (fazer algofazer alguém feliz, fazer o gruposingular). No caso, teríamos “todos os elementos que o fizeram singular”.
Mais um caso desse tipo ocorre a seguir:
Com que frequência você esquece seu nome de usuário e senha, e quanto isso lhe irrita?
O verbo “irritar” também é transitivo direto, logo seu complemento não pode ser o pronome “lhe”. A construção correta seria “quanto isso o irrita”.  Na maior parte das vezes, a confusão é essa, ou seja,  o lhe no lugar de ou doa. Não é impossível, porém, talvez até por hipercorreção, ocorrer o contrário:
A medida permitiu-a economizar mais do que imaginara.
Num caso como esse, o correto seria o uso do pronome “lhe”, pois a medida permitiu algo (economizar mais do que imaginara) a alguém (a ela = lhe).  Corrigindo o trecho, teríamos o seguinte: A medida permitiu-lheeconomizar mais do que imaginara.
Uma estratégia que pode ajudar a identificar os transitivos diretos (cujos complementos são o, a, os e as) é tentar passá-los para a voz passiva. Somente os transitivos diretos (com raras exceções) admitem essa transformação. A título de exemplo, veja o seguinte:
Beneficiou-o (algo/ alguém foi beneficiado)
Celebrou-o (algo foi celebrado)
Convidou-o   (alguém foi convidado)
Estimulou-o (algo/alguém foi estimulado)
Focou-o (algo foi focado)
Fomentou-o (algo foi fomentado)
Impactou-o (algo foi impactado)
Irritou-o (alguém foi/ ficou irritado)
Parabenizou-o (alguém foi parabenizado)
Nesses casos, não cabe o pronome “lhe”. Observe como se constroem os verbos pagar, perdoar e agradecer:
Agradeceu-lhe o convite (agradecer algo a alguém)
Pagou-lhe a dívida (pagar algo a alguém)
Perdoou-lhe a ofensa (perdoar algo a alguém)
A posição do pronome átono é assunto para outros boletins, que virão a seguir

sábado, 10 de março de 2012

IMPESSOALIZAÇÃO DO TEXTO





            Para escrever textos de uma maneira mais formal, sejam acadêmicos como monografias, dissertações de mestrado, peças ou qualquer outra manifestação escrita, , às vezes é necessário impessoalizá-lo, ou seja, omitir os agentes. Por exemplo:

A revista Exame divulgou o rol das maiores e melhores empresas do Brasil.

            Aqui, para tornar o texto impessoal, poderia ser retirado o agente ou utilizar a voz passiva. Aliás, esta é uma das principais funções da voz passiva: permitir o descarte do agente. Com o auxiliar ser, que forma a voz analítica, o texto ficaria:

O rol das maiores e melhores empresas do Brasil foi divulgado (pela revista Exame).

Com o pronome apassivador se, chamada de voz passiva sintética, tem-se:

Divulgou-se o rol das maiores e melhores empresas do Brasil.

Normalmente, tanto na primeira versão com o verbo ser, como na segunda, com o pronome se, é comum o sujeito ficar depois do verbo. Por isso é preciso prestar atenção nesses casos, pois o sujeito, mesmo posposto, deve concordar com o verbo.
Se o texto precisar ser feito no presente, às formas que utilizam o verbo auxiliar ser pode-se acrescentar um outro verbo auxiliar, como dever. Por exemplo:

Deve-se divulgar o rol das maiores e melhores empresas do Brasil. 

            Ou ainda, pode-se unir o modo imperativo à voz passiva com ser ou com se:
Ser:

Seja divulgado o rol das maiores e melhores empresas do Brasil.

Pronome se:

Divulga-se o rol das maiores e melhores empresas do Brasil.



            A frase que aparece comumente ao final de decisões jurídicas é composta de acordo com essa última forma de impessoalização: Publique-se, registre-se, intime-se e cumpra-se.

v  Voz Passiva:

O objeto da voz ativa é o sujeito da voz passiva.
            João denunciou Pedro.

            Pedro foi denunciado por João.
A Voz Passiva pode ser construída com:

I) Verbo auxiliar ser, estar, ir  +  particípio passado do verbo principal (Voz Passiva Analítica) :

Ex.: A medida provisória foi divulgada.

a) Particípios Duplos:

VERBO                                 PART. REGULAR                         PART. IRREGULAR

Aceitar                                                   aceitado                                              aceito        
Ganhar                                                   ganhado                                              ganho
Imprimir                                     imprimido                                           impresso
Pagar                                          pagado                                                pago
Prender                                       prendido                                             preso


b) Particípios únicos:

Abrir               aberto
Chegar           chegado
Dizer               dito
Escrever          escrito
Fazer               feito



II) Pronome apassivador se + 3ª.pess. .singular ou plural (Voz Passiva Sintética):
Ex.: Não se vê um problema / Não se vêem problemas.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Invisibilidade da Tradução e do Tradutor

Silvania mendonça Almeida Margarida

Venuti abre esta introdução abordando a questão da invisibilidade da tradução e do tradutor, da qual o tradutor é agente.  Um aspecto desta invisibilidade é a omissão do tradutor  com relação  à formulação de uma teorização sobre sua praxis.  Quando os tradutores falam ou escrevem  sobre sua atividade são apresentados como vozes  da experiência prática, como autores de depoimento, para formulação dos quais devem tirar tempo de sua atividade de trabalho. Os tradutores, Venuti enfatiza, estão dedicados  à produção de traduções  e não à produção  de crítica sobre a tradução.  O tradutor contemporâneo  é um híbrido paradoxal, uma espécie de amador  com grande sensibilidade estética ou um artesão talentoso, em ambos os casos, está longe de ser um escritor consciente que desenvolve  uma compreensão profunda das condições sociais e culturais do seu trabalho.
A tradução é associada à idéia  de atividade prática, trabalho manual, em contraposição  ao intelectual.  Isto está refletido  nas regulamentações  sobre direitos autorais.. Tanto a legislação britânica  como a americana  definem a tradução como  um produto de segunda ordem, uma adaptação, um produto derivado, baseado em um trabalho de autoria original, cujo direito autoral, que inclui a preparação de trabalhos  derivados ou adaptações, se encontra em mãos do autor. O direito britânico considera o tradutor um autor, pois este cria a linguagem utilizada, fato que lhe outorgaria o direito autoral; contudo, a lei não permite que o tradutor tome os direitos do autor "original". Nos Estados Unidos, uma das disposições  da lei considera a tradução como um contrato de locação ou prestação de serviços, em cujo caso o empregador que o trabalho é considerada o autor e detentora de todos os direitos contemplados no "copyright".
O discurso do tradutor sobre sua tarefa tende a acompanhar a imagem de amador/artesão: é casual, de pouca profundidade e está limitado a prefácios esporádicos, entrevistas e palestras como convidado.  Uma das instituições  que mais depende de traduções, não só enquanto livros-textos para seus estudantes de diversas origens, sustentando assim currículos e cânones, mas também  para possibilitar a pesquisa e a publicação, é a academia. Contudo, esta inibe o desenvolvimento da teoria e da crítica da tradução  ao desestimular a prática da tradução, ao considerá-la como de pouco valor acadêmico, e ao degradá-la  nas revisões  de renovações de contratos, garantia de estabilidade no emprego e promoções.
O caráter marginal que a tradução ocupa nos departamentos de língua e literatura é sustentado pelos próprios acadêmicos  que fazem traduções. Essa marginalização está fundamentada em um conceito romântico de autoria.  O original é eterno; a tradução envelhece. O original é um monumento imutável do gênio  ou imaginação humana, que transcende as mudanças lingüísticas , culturais e sociais às quais a tradução está submetida.  O original é uma forma  de expressão própria do autor, uma cópia fiel de sua personalidade ou intenção, uma imagem dotada de semelhança. A tradução é simplesmente uma cópia de uma cópia, um produto derivado, um simulacro,  uma falsa imagem sem semelhança. A concepção teórica que coloca a tradução no nível mais baixo  esta baseada na teoria expressiva romântica e projeta uma metafísica platônica  do texto, a qual separa a cópia  autorizada do simulacro, que é um desvio do autor do original.  O desvio pode produzir  um efeito individualizador semelhante ao do autor, pois o tradutor exprime sua experiência em uma tradução. No entanto, a tradução não se converte em um original, como e o caso da cópia autorizada.
A originalidade da tradução radica-se em seu próprio apagamento, em sua desaparição. Este é um dos critérios pelos quais os tradutores preferem ser elogiados. A omissão do tradutor em resenhas é um elogio, pois dá a idéia de que o resenhista não percebeu que o texto era tradução.
Esse apagamento ou desaparição corresponde a uma estratégia discursiva específica da tradução contemporânea. Um texto traduzido é considerado bem sucedido quando se deixa ler influentemente, quando dá a impressão de que não se trata de uma tradução, mas de um original. As estratégias tradutórias que visam a fluência procuram manter uma sintaxe linear, um significado unívoco ou a ambigüidade controlada, o uso corrente da língua, a coerência lingüística e ritmos conversacionais. Evitam-se construções não idiomáticas, a polissemia, (ter uma palavra várias significações), os arcaísmos, os jargões, as mudanças bruscas de tom ou dicção, a regularidade rítmica acentuada ou repetições de sons.  Em outras palavras, evita-se todo efeito textual, qualquer jogo do significante que chame a atenção  para a materialidade da língua, para as palavras enquanto palavras, para a opacidade das palavras, para sua resistência  às respostas enfáticas ou à mestria interpretativa.  A fluência tenta impedir que a linguagem se afaste do significado conceptual, da comunicação e da auto expressão. Quando bem aplicada, esta estratégia produz o efeito de transparência, pelo qual há uma identificação entre texto traduzido e texto estrangeiro e cria-se a ilusão da presença do autor original na tradução.
A estratégia da fluência visa apagar a intervenção do tradutor no texto estrangeiro. Embora seja evidente, que a tradução é uma reescrita do texto em uma língua diferente, para ser recebido em uma cultura diferente, este processo torna-se uma auto-anulação, que contribui para a marginalização e exploração econômica das quais os tradutores são vítimas. A fluência  também apaga a diferença lingüística e cultural do texto estrangeiro. Este é reescrito no discurso transparente predominante na cultura receptora e se vê carregado de outros valores, crenças e representações próprios da cultura receptora. A estratégia da fluência realiza uma atividade de aculturação que domestica o texto estrangeiro e o torna inteligível, e até familiar, para o leitor da cultura receptora. Isso permite ao leitor viver uma experiência narcísica de reconhecimento da sua cultura na cultura do outro, o que implica um imperialismo que estende o domínio da transparência (junto com outros discursos ideológicos) sobre uma cultura diferente. A fluência leva a traduções predominantemente legíveis e passíveis de ser consumidas no mercado livreiro; por isso, contribui para a hegemonia cultural e econômica das editoras das culturas receptoras.
No contexto da língua inglesa contemporânea, o discurso transparente sustenta o desequilíbrio  nos intercâmbios culturais entre as nações hegemônicas de língua inglesa e os “outros” na Europa, África, Ásia e América. A escassez de traduções no mercado literário norte-americano, por exemplo, produz uma audiência monolingual e limitada culturalmente, que se beneficia com a imposição dos seus valores culturais nas audiências estrangeiras. O historiador Sérgio Romano define essa situação  nestes termos: “se um texto é inteligível no contexto da ideologia americana, então ele tem chances de ser traduzido”. As traduções feitas para a língua inglesa aplicam a estratégia da fluência, o que mantém o domínio cultural do individualismo anglo-americano e representa as culturas estrangeiras através de discursos ideológicos específicos das culturas de língua inglesa.
Rethinking Translation... de Venuti  propõe, através dos textos selecionados, tornar a tradução visível através do desenvolvimento de um discurso teórico que permita estudar as condições de trabalho do tradutor, as estratégias discursivas e as estruturas institucionais que determinam a produção, circulação e recepção de textos traduzidos. Os ensaios desta antologia compartilham o pressuposto de que a tradução, da mesma forma que outras formas e práticas culturais, deve ser revista à luz do pós-estruturalismo e do seu impacto sobre outros discursos teóricos e políticos, tais como a psicanálise, o marxismo e o feminismo. Estes ensaios mostram, porém, como esses discursos interrogam e revisam a teoria pós-estruturalista, especialmente pelo fato de trabalhar com uma prática com implicações culturais e sociais tão amplas, como é o caso da tradução.
A teoria pós-estruturalista iniciou uma reconsideração dos aspectos tradicionais da teoria da tradução. Em uma releitura de Benjamin, “A tarefa do tradutor”, autores como Derrida e de Mann minam a oposição binária entre original e tradução que sustenta a invisibilidade do tradutor. Para eles, o que torna o texto estrangeiro original não é a expressão do significado  do autor, mas o fato de que ele é passível a ser traduzido, que está destinado a ter uma “existência continuada”  em uma forma derivada como é tradução. A tradução canoniza o texto estrangeiro; lhe permite manter seu prestígio ao permitir sua existência continuada. Contudo, não se trata apenas de manter o prestígio do original, mas de criá-lo. O original não é cânone por si; ele exige uma tradução. O original não é definitivo, pois permite ser traduzido.
A tradução canoniza, congela o original e mostra nele uma mobilidade, uma instabilidade, que não foi percebida anteriormente. O original pede uma tradução, um complemento, pois há uma falta na origem. Essa falta ou mobilidade é o que Derrida chama différance, isto é, o movimento de significação na linguagem pelo qual o significado é o efeito de relações e diferenças ao longo de uma cadeia potencialmente infinita de significantes. O significado é assim sempre diferente e deferido, nunca presente como unidade. O próprio original é uma tradução, um processo incompleto de tradução de uma cadeia significante em um significado.
O conceito pós-estruturalista de textualidade problematiza a noção de originalidade do texto estrangeiro e redefine a noção de equivalência, colocando como ponto de partida a pluralidade diferencial de todo texto que impede a possibilidade de uma correspondência de significado, a inevitabilidade das perdas e ganhos no processo tradutório, e a relação equívoca e assintótica entre tradução e texto estrangeiro. Longe de ser uma mímese ou reprodução do texto estrangeiro, a tradução é transformadora e interrogadora; ela inicia a desconstrução do texto estrangeiro. A tradução nunca estabelece uma identidade, mas uma falta e um suplemento; ela é uma transformação interpretativa que torna manifestos significados múltiplos e divididos do texto estrangeiro; ela desloca o texto estrangeiro com um outro grupo de significados, também múltiplos e divididos.
Toda esta concepção libera a tradução da sua subordinação ao texto estrangeiro e abre a possibilidade de elaborar uma hermenêutica da tradução como texto em si próprio. No entanto, a tradução está sujeita às determinações históricas e sociais da estrutura teórica pós-estruturalista. Derrida e de Man, por exemplo, interpretam a existência de uma “língua pura” no contexto  da pluralidade diferencial. A língua pura, para Derrida, é o ser das línguas, a unidade sem identidade, o que faz com que haja línguas. Para de Man, a língua pura existe como disjunção permanente que habita todas as línguas; “este caráter equívoco da língua, isto é, a ilusão de uma vida, que é na realidade uma existência continuada, é o que Benjamin chama “história”.” Assim, a língua possui um status supra-histórico e todo texto traduzido é um equívoco da língua, separada das circunstâncias sociais e históricas.
Contudo, mesmo se a história corresponder estritamente ao domínio da linguagem, e se a estrutura que a anima não for temporal, ainda podemos reconhecer que a linguagem é social e historicamente equívoca. O texto é um artefato heterogêneo, composto de formas disjuntivas de semiose como a polissemia, a intertextualidade, mas ele está limitado pelas instituições sociais nas quais é produzido e consumido, e seus materiais constitutivos, inclusive os textos que assimila e transforma, o ligam a um momento histórico particular. Estas associações sociais e históricas estão inscritas na escolha de um texto estrangeiro a ser traduzido e no próprio texto traduzido, na sua estratégia discursiva, e no espectro  de alusões para o leitor receptor. Estas associações permitem que a tradução funcione como uma prática política cultural, construindo ou criticando as identidades de culturas estrangeiras criadas a partir de ideologias, contribuindo para a formação ou subversão do cânone literário, afirmando ou transgredindo os limites institucionais.
Com relação a esta questão política e à predominância do discurso transparente no que se refere a tradução, Derrida observa que o que a instituição universitária não tolera é a idéia da língua como língua nacional e, ao mesmo tempo, a traduzibilidade que neutraliza essa língua nacional. Isto mostra que toda tentativa de tornar a tradução visível hoje em dia é necessariamente que neutraliza essa língua nacional. Isto mostra que toda tentativa de tornar a tradução visível hoje em dia é necessariamente um gesto político: revela e contesta a ideologia nacionalista implícita no papel marginal da tradução nas universidades, e provoca uma reavaliação das práticas pedagógicas e das divisões disciplinares que dependem de textos traduzidos. Este tipo de análise pode estender-se a outras práticas culturais institucionalizadas (como a publicação e revisão de textos traduzidos), a outras dimensões da tradução (como depoimentos teóricos e estratégias discursivas), e a outras determinações ideológicas (como gênero, classe e raça). A análise não só deve abranger um amplo espectro de formas e práticas culturais, como também diversos períodos históricos. Isto implica em inserir formas e práticas culturais em narrativas históricas  ricas em detalhes documentais, mas convocadas pelo presente, ou escritas contra a invisibilidade contemporânea da tradução; também implica em traçar a genealogia do presente enquanto procuramos, no passado, saídas, teorias e práticas alternativas de tradução.
Para a teoria pós-estruturalista da tradução, a tradução surge como uma reconstituição ativa do texto estrangeiro  mediada pelas irredutíveis diferenças lingüísticas, discursivas e ideológicas da cultura receptora. Estas diferenças podem ser articuladas em dois tipos de análise:
-a comparação de textos originais e traduzidos, para explorar a proporção de ganhos e perdas e revelar as estratégias discursivas e outros efeitos inesperados;
-o exame das descontinuidades da tradução, o trabalho textual de assimilar materiais da cultura receptora que tentam reproduzir o texto fonte, mas que inevitavelmente o suplementam.
Uma hermenêutica deste tipo trata o sujeito tradutor como construído discursivamente em apresentações pessoais, textos teóricos, códigos legais, contratos, e no processo de desenvolvimento de uma estratégia de tradução, de seleção e arranjo de significantes.
O tradutor é o agente de uma prática cultural conduzida sob contínuo autocontrole e com consulta ativa de regras e recursos culturais, os quais abrangem desde dicionários e gramáticas, até estratégias discursivas e traduções, sejam canonizadas ou marginais. Como essas regras e recursos são específicos da cultura receptora, a tradução está localizada em uma configuração intertextual e ideológica que pode escapar à consciência do tradutor e resultar em conseqüências inesperadas, como reprodução social ou mudança.  O inconsciente do tradutor é textual, mas também político, sedimentado com contradições ideológicas, moldado por restrições institucionais. Este inconsciente pode tornar-se manifesto, no caso de um escritor com consciência social e engajado politicamente, na escolha do texto estrangeiro e no desenvolvimento de uma estratégia discursiva, tomando a língua receptora num ponto de fuga das hierarquias culturais e sociais  que a língua sustenta e usando a tradução como forma de desterritorialização.
As estratégias resistentes de tradução impossibilitam o efeito ilusório da transparência no texto traduzido e trazem como conseqüência a visibilidade do trabalho do tradutor, a produção de textos que preservem a diferença lingüística  e cultural por meio de traduções estranhas e provocadoras de estranhamento.
A visão da tradução como pleno jogo da diferença  ainda tem de ganhar uma aceitação maior. Torna-se essencial reconhecer que a tradução em seus variados aspectos, desde a seleção de textos, implementação de estratégias discursivas, à revisão e ensino de traduções, exerce uma força substancial na construção de identidades nacionais. Uma das formas de efetuar esse reconhecimento é a elaboração de meio críticos, teóricos  e textuais para estudar e exercer a tradução como locus de diferença.

Eu vejo a tradução como a tentativa de produzir um texto tão transparente que parece não ter sido traduzido. Uma boa tradução é como um painel de vidro. Você somente observa que está lá  quando existem pequenas imperfeições - arranhaduras, bolhas. Idealmente,  nunca deveria existir. Nunca chamar a atenção sobre si mesma.
Normam Shapiro

Em Translator’s invisibility,  Venuti cita que  a invisibilidade do tradutor  é também em parte,  determinada pela concepção individualista de autoria  que continua a prevalecer na cultura anglo-americana. De acordo com esta concepção,  o autor livremente expressa seus pensamentos e sentimentos na escrita, o que é assim visualizada  como um original  e de representação própria,  transparente, imediato pelos determinantes transindividuais             ( lingüistico, cultural, social) que pode complicar a originalidade autoral. Esta visão de autoria traz duas implicações desvantajosas para o tradutor.  De um lado, a tradução é definida como representação de segunda ordem: somente  o texto estrangeiro pode ser original, uma cópia autêntica,  legítima personalidade do autor ou intenção, considerando que a tradução é derivativa, invencional, potencialmente uma cópia falsa. Por outro lado, a tradução é requisitada para obliterar sua postura de segunda ordem com discurso transparente, produzindo a ilusão  da presença autoral por meio do que o texto traduzido  pode ser tomado pelo original.  Entretanto,  a concepção mais individualista da tradução desvaloriza o original. É tão persuasiva que forma apresentações próprias  nos tradutores lidando até certo ponto psicológico,  a sua relação com o texto estrangeiro,  como uma identificação  com o autor.
A invisibilidade do tradutor  é assim uma estranha aniquilação própria, um caminho de concepção e prática da tradução, que,  indubitavelmente,  reforça sua posição marginal na cultura  anglo-americana.
A sombra existencial do tradutor nesta cultura,   é mais tarde registrada e mantida na posição legal, ambígua e desfavorável da tradução, protegida pelos direitos autorais e negociações contratuais reais. As leis americanas e britânicas definem a tradução como uma “adaptação” ou “trabalho derivativo” baseado num  trabalho original de autoria, cujo o direito autoral, incluindo os direitos exclusivos  de preparar trabalhos derivativos, ou adaptações,  são revestidos no autor. O tradutor controla a publicação durante o termo de direito autoral  para o texto “original”, comumente a existência do autor mais cinqüenta anos. Porém,  desde que a autoria aqui,  esteja  definida como a criação de uma forma ou de um meio de expressão, não uma idéia, como a originalidade da língua, a lei americana e britânica permitem às traduções terem os direitos autorais no nome do tradutor, reconhecendo que este,   usa outro idioma para um texto estrangeiro,  e entretanto, pode ser interpretado como criação num trabalho original (Skone James et al. 1991, Stracher 1991). Diante dos direitos autorais, o tradutor é e não é um autor.
A autoria do tradutor  nunca é dada como um reconhecimento legal,  total,  por causa da prioridade dada ao escritor do texto estrangeiro no controle da tradução - mesmo para apontar  o compromisso dos direitos  do tradutor  como cidadão britânico ou americano.
Os contratos de tradução após a guerra têm,  na verdade,  variado demais, em parte por causa das ambigüidades das leis autorais, mas também por causa de outros fatores,  tais como,  troca do mercado de livros, um nível específico de perícia do tradutor, e a dificuldade de um projeto específico de tradução. Apesar disto, as tendências gerais  podem ser detectadas durante  várias décadas, e elas revelam os publicantes,  excluindo os tradutores de qualquer direito na tradução. A invisibilidade pode ser vista como uma mistificação  de proporções duvidosas, o encobrimento dos múltiplos determinantes e efeitos  da tradução da língua inglesa, as múltiplas hierarquias e exclusões deste idioma.
Um ilusionismo produziu  uma tradução fluente, e a invisibilidade do tradutor, imediatamente,  legaliza e mascara  uma aculturação insidiosa dos textos estrangeiros, rescrevendo-os num dicurso transparente que prevalece em Inglês  e que seleciona precisamente aqueles textos estrangeiros agradáveis a uma tradução fluente. Além disso, o efeito da transparência oblitera o trabalho da tradução, contribui com a marginalidade cultural e a exploração econômica, que os tradutores da língua inglesa têm sofrido ao longo do tempo, seu status raramente reconhecido, escritores mal pagos, os quais trabalham apesar de permanecerem indispensáveis,  por causa  da dominação global da cultura anglo-americana.  Atrás da invisibilidade do tradutor  está o desequilíbrio do mercado que assegura este domínio, mas também reduz o capital cultural  de valores estrangeiros  em Inglês,  pela limitação  de textos estrangeiros traduzidos.  A invisibilidade é um sintoma da complacência das relações anglo-americanas com outras culturas, uma complacência que pode ser descrita, - sem muito exagero - como um  exterior imperialista e uma xenofobia em casa.
O conceito da invisibilidade do tradutor  já é uma crítica cultural, um diagnóstico  que opõe à situação que esta representa. É, em parte, uma representação de grau inferior, do ponto de vista do tradutor contemporâneo da língua inglesa, embora,  alguém que,  tenha vários desenvolvimentos;  cultural,  social, estrangeiro e natural. O objetivo de Venuti é fazer  o tradutor mais visível,   assim como resistir  e trocar as condições,  sob as quais a tradução  é teorizada e praticada hoje, especialmente nos países falantes da língua inglesa. Conseqüentemente, o primeiro passo  será apresentar uma base teórica,  na qual a tradução pode ser lida como tradução, como texto em próprio direito, permitindo a transparência para desumidificar, visto como um efeito discursivo entre outros.
A tradução é um processo  pelo qual,  a série de significados que constituem o texto da língua de partida é reposta pela série dos significados da língua de chegada na qual o tradutor fornece poder e intensidade duma interpretação.  Por causa que o  significado é um efeito de relações e diferenças entre significados,  juntamente com uma série potencialmente sem fim (polissemia, intertextual, assunto de infinitas ligações), é sempre diferencial e protelada, nunca presente como  uma unidade do original (Derrida. 1982). Ambos o texto estrangeiro e a tradução são derivativos: ambos consistem,  da diversificação lingüística e materiais culturais que nem o escritor estrangeiro e nem o tradutor  origina, e  que,  desestabiliza o trabalho de significação, inevitavelmente excedendo e possivelmente conflitantes com suas intenções. Como um resultado, o texto estrangeiro está  no lugar de diferentes possibilidades semânticas,   que são fixadas somente através da provisão em qualquer uma tradução, sobre a base de variação de hipóteses culturais e escolhas interpretativas em situações sociais específicas, em diferentes períodos históricos.
Os efeitos violentos da tradução são sentidos no próprio país como no exterior. Por um lado, a tradução manuseia  um poder enorme  na construção  de identidades nacionais para culturas estrangeiras, e conseqüentemente esta, figura na discriminação étnica, confrontações geográficas, colonialismo, terrorismo, guerra. Por outro lado, a tradução registra o texto estrangeiro na revisão de canônicos literários na cultura da língua de chegada, inscrevendo a poesia e a ficção, por exemplo, com vários discursos poéticos e narrativos,  que compete ao domínio cultural da língua de chegada. A tradução também registra o texto estrangeiro na manutenção ou revisão de paradigmas conceituais dominantes, pesquisando metodologias, e práticas clínicas  em disciplinas da língua de chegada e profissões, se física ou arquitetura, filosofia ou psiquiatria, sociologia ou direito.
O autor cita Nida, Freud, Grant, Graves, Bassnett etc. e compara as opiniões destes autores com a invisibilidade do tradutor.
O projeto de Venuti é combater a invisibilidade do tradutor com a história - em oposição a tradução da língua inglesa. Sendo assim, ela é uma história cultural,  com uma agenda política processada, que segue um método genealógico desenvolvido  por Nietzsche e Foucault e abandona os dois princípios que governa mais a historiografia convencional: teleologia  e objetividade. Genealogia é uma forma  de representação que descreve ou representa,  não uma progressão contínua de origem unificada, um desenvolvimento inevitável,  no qual o passado fixa o significado do presente, mas uma sucessão discontínua  de divisão e hierarquia, dominação e exclusão que desestabiliza a unidade de aparência  do presente, pela constituição  de um passado pluralista e de significados heterogêneos. Numa análise genealógica, escreve Foucault, “o que é encontrado nos começos históricos das coisas não é identidade inviolável  de sua origem,  é a dissensão de outras coisas.  É a disparidade” (F. 1977). A possibilidade de recuperação  destas outras significações  explode a pretensão de objetividade na historiografia convencional: sua ênfase teleological  abandona a cumplicidade com a continuidade de dominação  e exclusão no presente. Assim, a história é mostrada para ser uma prática política cultural, uma parcial  (imediatamente seletiva e avaliativa) representação  do passado,  que ativamente intervém no presente, mesmo se os interesses trabalhados pelo que a intervenção,  não é sempre  feita de modo explícito e às vezes  permanecem inconsciente.
O autor  intervém contra  a situação do tradutor e sua  atividade na cultura contemporânea anglo-americana,  oferecendo uma série de genealogias que escreve a história do presente. Traça a ação do discurso transparente na tradução da língua inglesa no século dezessete em diante, enquanto pesquisando o passado por êxitos, teorias / alternativas e práticas no  britânico, americano, e várias culturas de língua estrangeira - alemão, francês, italiano. Forma-se um argumento seguido cronologicamente, mostrando as origens falsas da tradução fluente, mas também,  mostra que tradução pode servir uma agenda mais democrática, que exclui teorias e práticas que são recuperadas  e a fluência prevalecente é revisada. Os atos de recuperação  e  revisão,   que constituem este argumento,  permanecem sobre extenso arquivo de pesquisa, trazendo traduções esquecidas ou negligenciadas e estabelecendo um outro contexto que pode ser revisado. Na verdade, a maioria das traducões difere uma da outra, ou seja, o canônico britânico difere do canônico americano na literatura.
Venuti é  motivado  por um forte impulso de documentar a história da tradução na língua inglesa,  para revelar  ambiciosos e obscuros tradutores e traduções,  para reconstruir sua publicação  e recepção e para articular controvérsias significantes.
E o autor questiona que valores naturais têm o discurso transparente mascarados  em textos estrangeiros durante seu domínio? Como a transparência moldou o canônico nas literaturas estrangeiras em inglês e as identidades culturais das nações de língua inglesa? Porque que a transparência tem prevalecido após outras estratégias de tradução em inglês, como no arcaísmo vitoriano?
Venuti argumenta que,  se faz necessário forçar os tradutores e seus leitores a refletir  sobre a violência etnocêntrica  da tradução e conseqüentemente escrever e ler textos traduzidos, para que procurem reconhecer a diferença lingüística e cultural dos textos estrangeiros. O que o autor defende não é a valorização indiscriminada  de toda cultura estrangeira ou um conceito metafísico de estrangeirismo como um valor essencial. Na verdade, o texto estrangeiro é privilegiado na tradução estrangeira somente dentro do que ela se propõe,  e esta,  possibilita uma dilaceração dos códigos culturais da língua da chegada. Assim  seu valor é sempre estratégico, dependendo da formação cultural,  no qual ele é traduzido. O objetivo é que,  é necessário elaborar os meios teóricos, críticos e textuais, para  que  a tradução possa ser estudada e praticada como um loco de diferença, em vez da homogeneidade que a caracteriza nos dias de hoje.


O discurso teórico de Else Vieira demonstrando a visibilidade da tradução brasileira.

Para a autora, inicialmente, as leituras tradicionais da tradução  e do colonialismo  podem ser vistas como operações análogas, existindo entre ambas,  relações de semelhança,  tendo,  estas,  traços em comum. Else Vieira estabelece uma conexão conceitual entre o traduzir e o colonizar, argumentando que, para a América Latina,  e especificamente, para o Brasil, pode-se configurar a reescrita de uma história colonial e a reescrita de um novo modelo de tradução.
A autora argumenta que, as correlações entre o traduzir e o colonizar, entre o texto traduzido e a colônia, ou entre o tradutor e o colonizado são então expandidas. A vergonha, o constrangimento e uma sensação de inferioridade constituem sintomas  da mentalidade colonial; analogamente, a visão tradicional da tradução é que há, sempre, uma certa incompletude, uma distorção e uma infidelidade associados à tarefa do tradutor.
Para a autora os textos traduzidos e as culturas colonizadas, ambos em espaços “imersos”, são avaliados pelo que eles deixam de ser, e não pelo que são. Coloca-se, portanto, o tradutor e o colonizado numa posição inferior  e subserviente com relação ao modelo considerado superior. Nega-se um povo, nega-se um tradutor, e estes ficam marginalizados, sem individualidade, submersos e sem  identidade.
No entanto, vem o Brasil, e se mostra  pela via oposta  à da colonização. A autora afirma que, através da literatura brasileira, especificamente, o Modernismo brasileiro e a Antropofagia, através da deglutição  cultural do estrangeiro, o Brasil se afirma, inverte os dados de influências, débitos e créditos e traz à tona a questão da autonomia do influenciado.  Esta leitura reversa da colonização e da influência cultural  resulta no primeiro passo para a visibilidade do discurso teórico sobre a tradução no Brasil.
Segundo a autora, sugere-se que os vanguardismos tradutórios tornaram-se possíveis  pela retomada da antropofagia; todavia, não é apenas a tradução  que retoma esse projeto, como se observa pela utilização da metáfora digestiva em outras vertentes da produção cultural brasileira. Vem com a tradução, a própria literatura, o Cinema Novo, o Tropicalismo e a crítica literária e as influências externas. É a metáfora da deglutição  e suas variações na cultura brasileira recente.
A tradução brasileira  organiza, então,  um mundo de aparência lógica, um mundo que se supõe estável, que se acomoda em valores fixos, numa literatura de significado. Esta, como origem, também, é a luz da verdade, detentora de sentido verdadeiro, canônico, é suporte de expressão para a  estabilidade.
A autora cita também  que há um conjunto de metáforas em Benjamin  que Derrida  analisa e que se revela muito esclarecedor para a discussão  da tradução no Brasil; e esta cita apenas o que introduz a noção do caráter de suplemento da tradução. Trata-se especificamente de um conjunto de metáforas para descrever a relação entre o conteúdo e a linguagem. No original o conteúdo e a linguagem estão intimamente ligados como o fruto  e a casca, formando uma unidade. Vieira cita que,  na tradução, essa relação é semelhante à do corpo e o manto, um manto real; o manto é alheio ao corpo, ele se ajusta mas não adere ao corpo, dele permanecendo separado, “sempre flutuando amplamente à alguma distância do conteúdo”. O corpo, ou seja, o conteúdo, é apenas anunciado e dissimulado pela tradução. Indo além, Derrida esclarece que, se o original exige  a tradução, o fruto insiste em se tornar o rei ou imperador que usará as novas vestimentas. Uma tradução não é, então, deficiente, mas utilizando os termos de Derrida, “ uma bela tradução com arminho, coroa, cetro e porte majestoso”, sendo que, torna-se difícil, como alega Vieira, detectar o maior devedor, se o fruto que recebe o manto real, ou o manto real que precisa do fruto para se apoiar.
Nota-se que, a autora visualiza  a tradução, contra os cépticos que encontram dificuldades para entender a sua universalidade,  e com a mesma,  o crescimento do original. 
A tradução para a mesma é como um oceano enorme e poderoso, com uma proeminência reveladora. A cada onda que se quebra, a cada onda que vem modular suas praias, suas areias, existe um novo contexto, uma nova diferença e uma grande continuidade. O oceano  está  lá, hegemônico  e contínuo, dando sobrevida às suas ondas e às suas modulações. A tradução é esta força modeladora de  textos, de  culturas, ou seja, a inscrição da diferença, que a cada nova onda que se ergue,  permite que o texto cresça, limitando, simultaneamente, a sua universalidade.
Dentro de toda esta argumentação sobre a tradução Vieira elucida que a tradução brasileira é tão visível quanto  imanente, que se compreende na sua essência, permanente em seu conteúdo. Contestando o aspecto problemático da visão tradicional da transparência  do tradutor, contestando a invisibilidade citada por Lawrence Venuti, a autora alega que a voz do tradutor adquire autonomia  e passa a ser ouvida dentro do texto, e a tradição fala através do tradutor. Assim a tradução se transforma num espaço polifônico e pluricultural.
A autora vai adiante e cita exemplos de tradutores brasileiros, visíveis no Brasil, na América Latina e a nível mundial, os quais podem demonstrar e enfatizar o diálogo transparente da tradução brasileira.
Em seu texto,  (In) Visibilidade na tradução: troca de olhares teóricos e ficcionais, Vieira  alega que, o texto explora áreas de permeabilidade entre discursos literários e teóricos, examinando formas pelas quais o saber ficcional, a semiótica e o pós-estruturalismo  se entrelaçam e se iluminam  mutuamente, para uma compreensão  mais abrangente do jogo de invisibilidades e visibilidades da tradução.
A autora cita alguns exemplos e enfatiza  Nelson Arsher (1989) e Venuti (1992,1995), com os quais a mesma amplia o diálogo de transparências e  (in) visibilidades. Citando Nelson Asher e a referência das traduções de Augusto de Campos, esta, mostra que, as traduções deste, constituem contribuições para o mesmo. Este diz: - “a mais perfeita tradução seria aquela que inexistisse”, ao comentar o paradoxo do conceito tradicional da tradução cujo parâmetro da transparência pressupõe a inexistência da área de diferença, absolutizando a identidade e, diante desta alegação,  a autora enfatiza o pensamento do teórico a partir do arquétipo da criação do homem à imagem de Deus ele argumenta que, se  “ houvesse apenas a identidade absoluta entre o original (Deus) e tradução (homem), esta não teria história própria, independente.”
Reportando-se a Venuti,  a autora afirma que:  “sua assertiva inicial é que a tradução  permanece numa prática invisível  em que o trabalho do tradutor é eclipsado, sendo que ele próprio se situa entre os agentes de sua sombria existência”. O texto também nos esclarece sobre a idéia pós-estruturalista do autor por ela referenciado, que considera filosófica e politicamente a questão da invisibilidade do tradutor. Na introdução de Rethinking translation (1982), onde Venuti argumenta que a textualidade pós-estruturalista, Vieira expõe que este, redefine a noção de equivalência na tradução pressupondo de imediato que a pluralidade diferencial de todo texto impede uma simples correspondência de significado; assim, toda a tradução não é bem fiel, não podendo nunca se configurar como representação transparente, apensa como uma transformação interpretativa que expõe significados  múltiplos e divididos no texto estrangeiro (1992;7-8). “Em 1995, retomando sua temática e enfatizando sua agenda cultural, econômica e política, esclarece  utilizar o termo “invisibilidade” para descrever a atividade e situação do tradutor na cultura anglo-americana contemporânea (1995:1). Nesse contexto, a transparência apaga o trabalho da tradução, contribuindo, assim, para a marginalidade cultural e exploração econômica do tradutor (1995: 16-17). Argumenta, ainda mais, que a estratégia de fluência pode ser associada à fidelidade, pois o efeito da transparência encobre a interpretação do texto estrangeiro (1995:78); em contrapartida a estratégia de “estrangeiramento” pressupõe um conceito de subjetividade humana (1995:24).”
Continuando a argumentação,  a autora comenta que se afasta de Venuti ("ainda mais...”) “ao contemplar o jogo de (in)visibilidades e subjetividades  na percepção do tradutor, enquanto mola propulsora para o próprio traduzir, explora as relações ambíguas e bidirecionais  no ato da transposição, inserindo na verdade uma releitura do passado” , que busca, na verdade e na nossa concepção, a não-transparência, onde a tradução está sempre presente, demonstrando assim, que embora surja de uma “imagem ausente”, esta, liga o passado ao futuro, a língua de partida à  língua de chegada, revelando seu espaço e sua estrutura.
A autora cita autores e exemplos interessantes sobre o assunto acima proposto, e através destes, argumentando sobre signo, mímese, especularidade, temporalidade, representação,  realidade, neologismos, metáforas, e  indaga: “A invisibilidade do tradutor é um fato ou é a textualização de sua visibilidade que não foi ainda suficientemente contemplada?” E o pensamento da autora vai mais adiante: pensando a tradução enquanto existência continuada do texto, esta,  cita   Lefevere,  onde este, descreve o “viés” (metaforicamente falando)  que a tradução  e outras formas de reescrita imprimem  à vida de um texto... e pergunta ... “o “viés” não seria  uma manifestação da visibilidade do tradutor, não representaria na sobrevida do original?”
Diante de uma visibilidade enunciável, a autora cita um trecho de Cecília Meirelles: “Em que espelho ficou perdido o meu rosto?” e afirma que Cecília Meirelles  torna visível o papel do tempo  como elemento diferencial  e transformador de imagens.
Citando Guimarães Rosa, esta,  coloca sua visão do poder que tem a palavra de transformação do mundo, nesse caso, especificamente, do mundo empírico. Em "O espelho”, este,  ressalta o poder de expressividade do “invisto”. A autora alega que somos assim transpostos para o valor tanto do “visto” quanto do “invisto”, flagrados numa relação de complementaridade. Num jogo de argumentação precisa, encontra-se no texto explicações e comparações precisas sobre o jogo da tradução: fidelidade, subjetividade, o “visto” e o “invisto”, o espelho e a imagem refletida. Todo este assunto é exemplificado,  principalmente por Guimarães Rosa.
Continuando sua argumentação, a autora enfoca também, as invisibilidades/visibilidades: o duplo desvelar da “origem” e do “alvo”.
Exemplificando com Derrida, Guimarães Rosa, Benjamim e outros, (ver páginas l0 a 15 integralmente no texto original)
 Os exemplos enfáticos citados no texto elucidam de maneira contundente o ato da tradução, da transposição e da própria interpretação da tradução.
 A comparação do conto “Sequência” de Guimarães Rosa, as  reflexões  de Irigaray, Benjamin  e Derrida, entre outros, nos mostra como se evidencia o ato de transpor, traduzir e se transcender nas questões  das (in)visibilidades e do tradutor; sendo que,  para este tipo de texto, é estritamente necessário, uma leitura pessoal, que dará ao leitor a plenitude do entendimento e a intenção da autora.
Lançando algumas reflexões sobre a segunda parte do texto em discussão, a autora enfatiza, discutindo o conto “Sequência” de Guimarães Rosa que, num determinado ponto, “o rio se transforma num espelho, um espelho que desvela, revela para ele os seus desejos latentes: o rio “ liso e brilhante” cujos movimentos invisíveis na superfície aparentemente brilhante prenunciam a mudança”;  e o rio surge como uma mola propulsora, ir ou não ir, atravessar ou não atravessar; o rio se torna o veículo de passagem, “o transpor”,   onde separado pelas margens e para que se alcance o outro lado é necessário “o  transpor”, ou então, no nosso entender, não se saberá mais os limites, e para o espectador, para o admirador daquele rio,  traduzir é  o grande desafio. E autora continua: “tra-duzir, trans- por o rio não é mais fortuito ou circunstancial  mas inevitável  para que ele transcenda  os limites do próprio eu”.
A autora também cita Derrida, (The Ear of the other) que alega: “ tra-duzir, liberar pela transposição, o que está cativo, como para Benjamin, a língua pura cativa o original”.
Entre tantas citações que nos fazem refletir sobre o jogo de visibilidades e invisibilidades a autora torna a citar: “há um rio, há um espaço limiar que olha retrospectivamente e prospectivamente. Há uma travessia que o entrelaçamento que faz com que o passado e o futuro  modifiquem. Há um rio e uma travessia que permitem a fertilização do futuro. Mas há um rio  cuja travessia também permite a fertilização do passado. Há um cruzar que é também um retorno. Há um rio que é passado e presente, origem e teleologia, permanência e mudança. (...)”. ‘O passado mudando o futuro, o futuro mudando o passado”.  “ Um débito bilateral.” “Encobertos/” “desescondidos”. “Ocultar/revelar.” “ Um jogo bilateral de invisibilidades/ visibilidades.”
Na verdade, para a autora,  este jogo anima a alma e a sobrevivência do tradutor, mas num sentido de existência continuada, onde o tradutor, não se sinta, de forma alguma,  endividado ou marginalizado, diante de sua percepção, de sua subjetividade e do seu poder de expressividade. Este, deve sim, fazer sua travessia,  no “citado” rio, e desnudar seus  horizontes e os horizontes da tradução tornando-se visível; tão visível quanto concreto.
E como tão bem alega Vieira: “Traduzir é fazer surgir uma imagem ausente na fugacidade do presente para um futuro que se torna cada vez maior” (1992:83).

O discurso teórico de Haroldo e Augusto de Campos sobre  tradução.

Segundo Medina (l985),  Haroldo de Campos tem um extenso currículo de obras publicadas. Pode ser lido como ensaísta, suas traduções (transcrições) ousam um conceito especial de tradutor, e a obra poética se coloca em primeiro plano desde os anos 50, quando, junto com o irmão Augusto e Décio Pignatari, assumiu a liderança da poesia concreta. Haroldo e Augusto não herdaram de cada uma rica biblioteca, mas receberam a educação de pais tolerantes, que os estimulou à curiosidade. De descoberta em descoberta, ele chegou à literatura em língua inglesa. Já na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, estudou alemão para poder ler poesia. Em 1947, os dois irmãos, família bem situada, se encontraram com Décio que vinha de Osasco, de outra experiência social. A franqueza com que lidaram com as diferenças de personalidade costurou uma amizade “dialógica” que dura até hoje. “Auto do Possesso”, o primeiro livro de poesia, saiu em 1949, pelo Clube de Poesia. A revista e editora Noigandres, criadas como veículo da poesia concreta, foram a sede dos livros de Haroldo de Campos até os anos 60: "A Cidade" e "Thálassa Thálassa", (52), "Ciropédia ou a Educação do Príncipe" (55), "O Âmago do Ômega" (56), "Poemas Concretos" (58). Em 1962, a Massao Ohno Editores publicou uma "Antologia de Poemas em Noigandres", ainda saiu "Servidão de Passagem", poema-livro, pela Noigandres e "Xadrez de Estrelas", em 76, foi publicado pela Perspectiva de São Paulo. "Signantia: Quasi Coelum" (79), pela mesma editora, e "Ode (Explícita) em Defesa da Poesia no Dia de São Lukács", ed. da revista Zero à Esquerda, (81) precedem dois livros que saíram em 84: "A Educação dos Cinco Sentidos" e "Galáxias". Haroldo de Campos convive, em intenso diálogo intelectual com Octávio Paz e, como ele, se dedica à reflexão ensaística. Seus poemas e seus ensaios estão traduzidos em várias línguas. Concretismo, estudos críticos de Sousândrade, Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, "Macunaíma" de Mário de Andrade, literatura latino-americana são objeto de várias publicações em livro e em revistas especializadas. Também como tradutor, ou melhor, transculturador, Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari têm um extenso trabalho editado que recriou, em português, Ezra Pound, Joyce, Maiakovski, a poesia russa contemporânea, Mallarmé, Dante e Goethe, entre outros. Haroldo de Campos dá cursos de pós-graduação na universidade brasileira e seguidamente o convidam para ciclos em universidades estrangeiras. Entre esses afazeres intelectuais, uma tradução por ele eleita ou um poema, Haroldo ainda encontra fôlego para estudar hebraico. A atual tarefa de amor ao trabalho exegético é mergulhar no Gênesis.
Para Augusto de Campos a  melhor tradução é a que não parece tradução. Para ele, numa tradução é preciso ir além dos aspectos formais, sendo que, para a tradução poética, “é como se tivéssemos que descolar as palavras, para poder transubstanciá-las. Existe um processo mediúnico aí. Mesmo toda técnica do mundo “precisa do favor dos deuses” como dizia Borges. Mas se os versos originais têm dez sílabas, os da tradução têm de ter dez sílabas- ou doze, não importa. O que importa é criar uma “pattern” e segui-lo até o final. Você tem de seguir a lei das compensações. Eu só ponho aliterações umas linhas depois de onde estão no original se ainda estou no mesmo âmbito contextual. Nem sempre dá para você recriar os aspectos formais  do original, mas se você perde aqui tem de ganhar ali. Sabendo fazer isso com respeito ao original, claro” (Folha de São Paulo, 1994).
Diante das alegações de Augusto de Campos podemos destacar aqui, por exemplo, a metáfora da tangente, que segue   seu curso com vida própria  e visível, tendo no tradutor o exemplo vivo de tal corrente.
As traduções de Augusto de Campos primam pela melodia, e não resta a menor dúvida, que este, é um dos melhores tradutores de poesia em atividade no Brasil. Alguns criticam sua tese e de seu irmão Haroldo de Campos de que a tradução poética deve ser uma “transcriação”, que procura não só traduzir o sentido do poema, mas também imitar os elementos formais  do original: a acentuação, as assonâncias, os trocadilhos.  Poucos, no entanto, podem oferecer uma tradução de “O Barco Bêbado”, um dos mais famosos poemas de Rimbaud, à altura da publicada por Campos em “Rimbaud Livre”. “Rilke: Poesia-Coisa”, além de chamar a atenção para um Rilke menos místico, oferece outros exemplos de traduções excelentes. É o caso  de “A Pantera”, “Dançarina Espanhola”, “A que Vai Ficar Cega” e “O Fruto”.
Augusto de Campos se considera minimalista, econômico e trabalha no processo exigente da poesia.
Haroldo de Campos, segundo Medina (1985) é um poeta convicto, aliciante, apaixonado.
 Na verdade, existem nos dois poetas e tradutores uma dança contínua de uma melodia quase eterna. Poderiamos usar a metáfora da musicalidade para explicar a obra dos Irmãos Campos.
Para Medina, Haroldo de Campos é um universo de ampliação e renovação poética, é a renovação da tradução, o domínio da história da arte e argumenta: “O caminho do poeta é assinalado pela descoberta de outros poetas e da transcrição. Sua obsessão é o eterno fazer. Nem há fronteiras nacionais. Haroldo sabe, como poucos, contra-argumentar o nacionalismo literário: o discurso literário se propõe uma exposição ao que se poderia chamar de língua pura, algo assim como um idioma adâmico; seria como um ponto messiânico para onde convergiriam todas as línguas, independentemente de parentesco e unidas apenas por um telos último - seu modo de intencionar (de extração mallarmeana). Tingida de acentos de hermenêutica bíblica, essa concepção benjaminiana poderia ser repensada em termos de um código intra-e-inter-semiótico, latente na poesia de todas as línguas e exportável de uma a outra, como um sistema geral de formas significantes.
O aliciante professor universitário se justapõe, com seu vocabulário lingüístico e semiológico, quando não filosófico, ao apaixonado e visceral artista. Eu trabalho em concentração e em tensão de linguagem. A voz mais autêntica se solta: considero-me um desespecialista em fragmentos. Haroldo de Campos substitui o argumento douto pela varinha mágica da sensibilidade: Tenho uma espécie de faro ecumênico. Em matéria de passado da cultura estou sempre atento (falando de poesia) àquelas obras que respondam, de maneira viva, a uma pergunta extraída de uma circunstância presente. Assim também elege os textos que traduz. A tradução é um diálogo criador, sincrônico, insiste: o caminho do poeta é pontilhado pela descoberta de outros poetas e da transcrição.
Não é acidentalmente que as traduções de Ezra Pound, Joyce, Brecht, Maiakovski, Mallarmé, Dante ou Goethe marcam, em português, por sua ousadia. O tradutor/transcriador, nesse sentido, é um coreógrafo da dança interna das línguas, valendo o sentido (o assim chamado conteúdo) como bastidor semântico ou cenário puridesdobrável dessa coreografia móvel de signos. Ao perseguir essa língua universal, Haroldo estaria abandonando a circunstância cultural de ser brasileiro? Apaixonado, outra vez, chama à discussão argumentos críticos e põe a girar os conceitos sobre sua obra. Lida com biografemas mais a multidevoração. O que é o biografema? O que pode parecer hermético na poesia nada mais é que a vida transformada em escritura, numa espécie de descoberta epifânica. Fatos que fazem parte do mundo à volta e que, após sua escritura, torna-se impossível dividir o suceder do imaginado. Portanto, o biografema contém, em sua essência, a História, a circunstância de ser brasileiro em relação a outros seres.
A multidevoração nada mais significa que a abertura da cultura brasileira para a leitura múltipla dos dados universais. Nossa cultura híbrida se define justamente por articular com a cultura universal e assim se apresentar como diferente. Veja a própria plasticidade do português do Brasil. Uma língua aberta que não tem preconceitos de usar o "você" com formas oblíquas da segunda pessoa. A nossa vantagem diante da cultura que se desenvolveu na América espanhola é não ser "imperial". Somos ex-cêntricos, o que nos permite, ao mesmo tempo, a condição de brasileiros, e profundamente voltados para a transculturação”(1985).
Vieira (1992) demonstra também, que os Irmãos Campos, no final da década de 70, usando a metáfora disgestiva,  emprestaram  uma postura  revolucionária à tradução através da utilização da antropofagia não só como metáfora mas também como processo tradutório. Traduzir, para Augusto de Campos, quer dizer amar e devorar e, na sua práxis da “Intradução”, fundem-se a literatura original e a nacional num só discurso,  diluem-se as fronteiras e as relações hierárquicas entre o texto primeiro e o derivado. Também para Haroldo de Campos a tradução afirma a orientação antropofágica na nutrição dupla e bidirecional; para ele, “transcriar” ou “transtextualizar”, quer dizer não só a apropriação do acervo universal, mas também da melhor poesia dos contemporâneos do tradutor.
Vieira também nos mostra que, na teorização de Augusto de Campos, existe uma relação entre traduzir - amar e deglutir. Traduzir  - uma empresa satânica, uma transfusão e uma vampirização, na teorização de Haroldo de Campos.
Segundo Vieira a conexão entre a tradução e a antropofagia, ambas relacionadas  à intertextualidade lato sensu, foi primeiro evidenciada por Eneida Souza:

“Costuma-se estabelecer ainda a aproximação entre tradução e antropofagia decorrente da associação com a intertextualidade, ao se retomar o projeto oswaldiano e recolocar a problemática de nossa literatura (da América Latina e do terceiro mundo, em geral) enquanto “tradutora da cultura do Outro.(Souza, 1986:182).

Ainda,  segundo Vieira, a antropofagia é uma feição proeminente de Verso, revervo, controverso de Augusto de Campos. Esta alega: “não se trata apenas do uso explícito de “deglutir” ou a referência direta a Oswald de Andrade, ou mesmo a citação verbatim   do Manifesto Antropófago ( “Só me interessa o que não é meu”) no seu prefácio. Augusto de Campos se nutre também dos próprios textos traduzidos para criar sua metalinguagem tradutória. Traduzir quer dizer amar e devorar, e ele acrescenta, “meu amor vegetal crescendo vasto”, valendo-se do poema “To his coy mistress” de Andrew Marvell cuja tradução apresenta posteriormente.
Verso, reverso e controverso, enfatizamos, o título do livro, sinaliza o seu entendimento da questão da recriação. Verso pode ser reverso que, por sua vez, pode ser controverso, uma combinação de “controvérsia” e “verso”. Este jogo ilimitado em torno da palavra verso é muito significativo, porque a proposta de Augusto de Campos é apresentar e traduzir os textos que,  na sua época de produção, ou mesmo agora, constituem o reverso da literatura canonizada e, como tal, objeto de controvérsias.”
Vieira expõe também em seus comentários, à respeito, da intradução de  Augusto de Campos (fusão de introdução e tradução). Ao in-traduzir, ele doa uma nova forma ao original e,  assim, a tradução não é apenas um gesto de recebimento mas também de doação ao original.
Vieira comenta também sobre a questão da persona e uma outra definição de tradução para Augusto de Campos e que Pound viu melhor que ninguém: “tradução é crítica, trabalho a nível de conhecimento, intuição e invenção.
Na continuação de sua argumentação, Vieira comenta que Augusto de Campos conscientemente assume  a máscara de tradutor, num gesto reminiscente de Pound. Todavia na sua definição de tradução, o jogo de palavras ao redor da palavra “pessoa”, elabora o caráter fingido da tradução.
Para Vieira  o projeto tradutório de Haroldo de Campos em Deus e o Diabo no Fausto de Goethe juntamente com o intertexto do filme de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na terra do Sol, além de nos trazer a total visibilidade da tradução na obra de Haroldo de Campos, nos demonstra também, a coexistência de vários discursos, uma interpenetração de literaturas e que sugere que a cultura nacional interpenetrará e transformará o original.
Introduz-se, neste contexto, o nutrimento do tradutor, um nutrimento simultâneo, sendo uma leitura da tradição universal e, ao mesmo tempo, uma leitura do acervo local.
Vieira apresenta a conclusão do texto sobre Haroldo de Campos  com duas metáforas antropofágicas: “tradução como transfusão. De sangue. Com um dente de ironia poderíamos falar em vampirização, pensando agora no nutrimento do tradutor” (1979).
Pergunta-se: seriam os dois tradutores e poetas perseguidores de pontos luminosos? Convictos e  críticos? Fanáticos em seus pontos de vista? Os irmãos Campos defendem o direito de argumentação, de trabalho consciente, construído.  É curiosa  a suspeita que certa crítica levanta contra os poetas-tradutores-teóricos, como se os poetas e tradutores, por definição, devessem ser “incapazes”, eternamente afetados pela “menoridade”, cabendo à crítica explicar-lhes  o sentido de sua obra. Isto é impossível.
Não fomos tímidos ao romper a barreira lógico-discursiva, com reflexão a tradução brasileira passou a um refluxo: ao invés de pensar na tradução-poesia concreta, os Irmãos Campos passaram a pensar o concreto da tradução e da poesia.
E como afirma Haroldo de Campos, segundo Medina (1985): “só traduzo um poeta  e um poema que respondam a uma questão pertinente da poesia moderna, que traga um acréscimo de informação original. Não me posiciono como colecionador, mas como transculturador. Não sinto prazer muscológico e sim musical.”

O discurso teórico de Nelson Ascher sobre tradução

Vieira argumenta que  para  Nelson Ascher a mais perfeita tradução seria aquela que inexistisse. Comentando o paradoxo do conceito tradicional de tradução, este, é de opinião que  o parâmetro da transparência  pressupõe a inexistência da área de diferença, absolutizando a identidade. Teorizando a dualidade não resolvida da tradução, insere a sua discussão da área da diferença no espaço da História. A partir do arquétipo da criação do homem à imagem de Deus, ele argumenta que, se “houvesse apenas a identidade absoluta entre original (Deus) e tradução (homem), esta não teria história própria, independente” (1989:142). Ainda segundo ele, a concepção metafísica da tradução “desterra da análise toda a área da diferença entre o original e tradução com os labéus de desvario ou simples erro - mistranslation (p.145). E, priorizando a diferença, afirma que é exatamente a área da mistranslation que é “a dimensão mais própria de um texto-tradução, aquela que lhe dá uma identidade e lhe permite uma história”.
Nelson Ascher enfatizando a tradução poética nos coloca frente a um histórico da mesma,  a nível mundial e nacional. Primeiramente,  indaga  o que é poesia? Em que consiste sua essência ou especificidade?
No artigo Poesia e tradução no fim do século (1992)  ele argumenta sobre o acima exposto e nos responde ao longo do texto a co-relação entre poesia e tradução.
Em nossa área comum, a literatura e, mais precisamente, a poesia, talvez não seja exagerado afirmar que o problema colocado com mais ênfase no momento é o da tradução, especificamente o da tradução poética. Cabeças as mais diferentes, como o próprio Roman Jakobson ou Walter Benjamin, já haviam começado a formular esse problema de forma como atualmente o conhecemos. Além disso, como veremos em breve, os tempos heróicos da modernidade poética foram também tempos heróicos da tradução. Desde o simbolismo francês, determinados centros de criatividade poética foram capazes de contaminar outros através desse vetor privilegiado que é a tradução. Erza Pound chegou mesmo a afirmar que uma grande época para a poesia é também uma grande época para a tradução.
Existe, sem alternância de problemas, uma lógica quase mecânica. A primeira metade do século voltou-se para a descoberta da essência da poesia, ou seja, daquilo que a linguagem tem de mais íntimo. A segunda metade do século está voltada para a natureza da tradução, ou seja, está interessada em saber, depois de certos eventos ocorridos durante a construção de uma torre em Babel, como é que as diversas línguas se relacionam entre si.  Daí, novamente, que pessoas tão diferentes como Octavio Paz e Haroldo de Campos, Czeslaw Milosz e Hans Magnus Enzensberger, György Somlyó e Henri Meschonic tenham dedicado parte substancial de seu tempo à prática e/ou à teoria da tradução, buscando, cada um à sua maneira, elucidar o seu enigma.
Para o teórico a tradução é característica mais importante da modernidade que estamos vivendo. Cabe aqui pensar um pouco na história dessa atividade. Quem quer que folheie, por exemplo, um livro como o The Oxford Book of Poetry  in Translation, organizado por Charles Tomlinson, constatará facilmente o seguinte: não são apenas os métodos tradutórios que têm se modificado ( e não só em inglês, mas em todas as línguas ocidentais) no correr da história, é o próprio conceito do sentido, do significado e da razão de ser da tradução que tem mudado. Na sua grande maioria, os poetas, do renascimento ao romantismo e até depois, traduziam preferencialmente os clássicos. Quem traduzia, trabalhava antes de mais nada com Horácio e Catulo, Ovídio e Virgílio. Alguns ocupavam-se ainda dos gregos, sobretudo de Homero. Raros eram os  poetas ou tradutores que traduzissem seus contemporâneos  ou poetas de alguma tradição vernácula. A exceção ocorria quando alguém trabalhava com um poeta ou alguma tradição vernácula que houvesse adquirido importância suficiente para tornar-se ela mesma “clássica”. Daí que os trovadores galaico-portugueses e provençais traduzissem, à sua maneira, a poesia árabe e os poetas judeus da Espanha fizessem o mesmo.  Daí também a difusão do soneto, as traduções de Petrarca e de épicos famosos, como os de Ariosto, Tasso e Camões, pouco depois de terem sido compostos.
Tudo isso é facilmente explicável, pois os poetas da antigüidade eram tidos como modelos que, embora inalcançáveis, deveriam ser imitados. Havia duas alternativas possíveis para a tradução desde a Idade Média até a modernidade: ou ela era a imitação de um modelo  ideal com o qual se pretendia  melhorar  uma língua e uma poesia considerada melhores; ou era, quando se apropriava dos contemporâneos, algo que hoje considerar-se-ia  plágio puro e simples. Assim, um obscuro poeta latino da renascença escreveu um poema..
Cabe também lembrar a importância do latim como língua de cultura, compartilhada durante séculos por toda intelectualidade ocidental. Constata-se, assim, ainda mais claramente, que a tradução  dos clássicos não tinha em geral o objetivo de levar ao conhecimento do leitor algo de novo e diferente, pois todos os leitores de uma tradução de Horácio ou Virgílio  tinham acesso ao original. À parte,  o exercício e seu aspecto lúdico, tratava-se de sanar uma carência da língua e da cultura para a qual se traduzia. Em suma, num dos polos a tradução foi durante muito tempo a imitação de um modelo ideal e, em outro, a desapropriação de um objeto não classificado pela tradição, cuja eventual repetição não só o melhoraria eventualmente, como tampouco afetaria o valor do resultado tal como era concebido.
Havia apenas um texto, um único, que não se enquadrava nesses limites: as escrituras sagradas, a Bíblia. A história, freqüentemente trágica, da transposição da Bíblia para as línguas vernáculas é longa. Em rigor, ela foi o único texto cuja tradução era realizada não com um intuito estético qualquer, mas visando, isto sim, à plena comunicação, tanto mais na medida em que se tratava não de uma mensagem intercambiada pelos homens, mas da palavra que Deus havia dirigido a todos os homens. Paradoxalmente, nos dois grandes idiomas em que a batalha da tradução da Bíblia foi ganha, o resultado final tornou-se um verdadeiro divisor de águas, um marco literário na história de ambas as línguas em questão: a alemã e a inglesa. Muitos consideram Lutero, tradutor da Bíblia, o fundador da literatura alemã; e a King James Version é tida também como a fundadora do estilo elevado na literatura inglesa, um estilo sem o qual, digamos, William Blake ou Herman Melville seriam inconcebíveis.
Segundo o teórico, a língua portuguesa pertence infelizmente ao elenco daquelas nas quais a tradução foi - e até certo ponto continua sendo - considerada uma atividade menor. Diz-se entre nós: quem sabe, faz; quem não sabe, critica. Poder-se-ia acrescentar: e quem sabe menos ainda, traduz. Não que essa concepção tenha liquidado toda a atividade tradutória em língua portuguesa, mas serviu seguramente para seu desestímulo e, freqüentemente, para um isolamento provinciano da poesia luso-brasileira, acompanhado, às vezes, por um fascínio desmedido pela produção de alguns poucos centros de irradiação cultural. O descaso e a desconsideração pela tradução não se revelaram apenas na negação anacrônica de importância à obra de Gregório de Matos, mas na ignorância deliberada, para não dizer criminosa, do trabalho magnífico, de uma vida inteira, do maranhense Manuel Odorico Mendes.
Atuando na segunda metade do século passado, Odorico Mendes transpôs todo Homero e todo Virgílio para o português, conseguindo resultados que respondem a todas as exigências de qualidade  que qualquer idioma civilizado pode fazer às traduções, e criando,  na língua, monumentos poéticos com cuja grandeza apenas Camões  e Sousândrade rivalizam. Não bastasse o desconhecimento generalizado desse trabalho - desconhecimento maior ainda em Portugal, que muitas vezes, não contente em isolar-se do resto do mundo, procura ignorar também o que outros falantes de sua língua escrevem -,  os poucos que se lembraram de comentá-lo trataram-no cruelmente pelo simples crime de estar o trabalho em questão acima de sua capacidade de absorção estética. Pode ser paradoxal, mas o grande maldito de nossa poesia morreu há um século, era tradutor e continua maldito. A literatura brasileira parece capaz de se desfazer de traduções  de Homero e Virgílio, cujos equivalentes, em termos de qualidade, no inglês e no francês, só foram realizados na segunda metade deste século. Não deixamos, é verdade, de ter algumas belas traduções, como é Shakeapeare ou Hölderin de Manuel Bandeira,  os franceses de Guilherme de Almeida e sua Antígone, bem como, em Portugal, o Poe e outros anglo-americanos de Fernando Pessoa. São todos, porém, apenas as marcas do que não foi, daquilo que poderia ter sido se o exemplo e as lições de Odorico Mendes tivessem sido seguidos antes.
A tradução de poesia só veio a se tornar uma atividade de autonomia e importância reconhecidas na língua portuguesa em decorrência do trabalho prático, teórico e militante de Haroldo e Augusto de Campos. Esse trabalho é conhecido de todos. A tese de Nelson Ascher, em resumo, é comprovar que no trabalho de Augusto e Haroldo havia se concretizado uma tendência histórica paralela à morte da “aura” de que fala Walter Benjamin, a tendência da cultura ocidental moderna de se abrir para o que é dela diferente, ao mesmo tempo que des-hierarquiza as relações entre original e tradução, fazendo desta, em primeiro lugar, não uma imitação ou um substituto daquele,  mas uma resposta a ele, transformando ambos em seguida em participantes de um diálogo supra-idiomático. Um diálogo ao qual Goethe já havia dado o nome e Weltliteratur.
Segundo o autor, em maior ou menor grau, esse diálogo vem se ampliando na maior parte de nosso mundo. E quando ele diz:  “nosso mundo”, ele alega:  “refiro-me ao que chamaria genericamente de Ocidente, ou, se preferir,  do mundo da civilização urbana, industrial e moderna. Pois convém não esquecer que tal abertura para a diferença, uma abertura responsável por ciências como a etnologia, a antropologia e a lingüística, nasceu apenas com o fim do Ancien Régime e com a criação de sociedades laicas, ou seja, livres da hegemonia absoluta de qualquer confissão - particularmente do cristianismo - e democráticas, onde uma classe média consolidada é responsável pela produção e consumo ou fruição da alta cultura. Esse tipo de sociedade só existe, só tem a possibilidade de existir, numa parcela restrita do planeta. Essas sociedades abrigam uma cultura que, talvez hoje já se possa ver, possui determinadas características que lhe dão uma unidade não homogênea.  Ela tem imensa curiosidade por culturas que não se interessam minimamente por ela. Ela é crítica em face da tradição, sendo, por isso mesmo, dinâmica. Ela tem, finalmente, uma má consciência, o que já é um tipo de consciência.  Essa é a cultura do Ocidente, a única capaz de dizer de si mesma, nas palavras de Walter Benjamin, “que não há documento de cultura que não seja também um documento de barbárie”.  Quando falo, portanto, em literatura ocidental, refiro-me a esse universo cultural que é o Ocidente. No que diz respeito aos contatos com outras culturas, eles tenderão por muito tempo, se não para sempre, a ser de mão única, seja porque várias delas já morreram, seja porque a esmagadora maioria das outras segue fechada a muito do essencial que vem de fora.”
Assim, nesse universo que acabou de ser delimitado, os problemas práticos e teóricos da tradução vêm assumindo uma importância cada vez mais central, pois trata-se, por excelência, da atividade circulatória de uma cultura que quer universalizar-se sem abrir mão das particularidades que a constituem.
Nelson Ascher crê que o estágio atual da atividade tradutória como um todo pode ser ilustrado pela retomada dos textos majoritariamente traduzidos antes do século passado. Em primeiro lugar, os avanços em disciplinas como o estudo dos mitos e das religiões, da filologia e da lingüística, e mesmo da arqueologia, vêm transformando novamente os clássicos greco-latinos em objetos privilegiados de estudo  de tradução. Costuma-se dizer que sabemos mais sobre o mundo de Homero atualmente do que seus leitores atenienses da época de Péricles. Contudo, eles não estão traduzidos hoje como se fossem os fundadores insuperáveis  de nossa própria cultura, mas como obras que, só há pouco começamos a entender, pertencem a uma outra cultura e que podemos tentar apreender de verdade porque estão muito distantes de nós.
E mostrando, através de seu discurso teórico sobre tradução e da sua poesia, o autor nos alega que: “ a continuação desse trabalho, o de reconhecer e realizar materialmente, ou seja, na língua, as diferenças e semelhanças entre culturas e dentro de uma mesma cultura, é a tarefa que se coloca para todos os poetas  - cada vez mais tradutores - do Ocidente. De sua consecução nascerá, aliás, já está nascendo, a poesia do futuro.”
Para Nelson Ascher podemos argumentar que lhe cabe a metáfora da história, onde se distingue a sobrevivência e a sobrevida, onde a tarefa do tradutor é voltada para a poesia, ou seja, o original é transplantado e uma tradução traz uma nova vida para o texto, principalmente no contexto brasileiro, dando mostras à sua visibilidade.

O discurso teórico de Rosemary Arrojo sobre tradução

 A autora inicia suas argumentações sobre a visibilidade tradutória citando Jacques Derrida (desconstrução)  e o que o mesmo  alega sobre o signo,  “quando não podemos agarrar ou mostrar a coisa, nem declarar o presente, o estar presente, quando o presente não pode ser apresentado (...) recorremos ao desvio fornecido pelo signo (...) o signo, nesse sentido, é uma presença deferida. O signo e, em especial,  o signo escrito, “como agente do adiantamento da presença”, “é concebível apenas com base na presença que adia e no movimento em direção à presença adiada que pretende resgatar”. A substituição da coisa-em-si pelo signo é tanto secundária quanto provisória”. Através desta ótica podemos focalizar também a problemática da tradução e dos chamados textos “originais” dentro dos limites do logocentrismo.
A presença do significado na tradução é como um adiantamento incômodo, apenas representa e substitui nessa posição ingrata de simulacro, de representante inadequado o “original” em outra língua, em outro tempo e em outra cultura, nessa função de “agente do adiamento” e de “desvio” a que se recorre quando não se tem acesso à matriz “original”, toda tradução é também necessariamente secundária e provisória em relação àquilo que supostamente substitui. Todas as metáforas que a tradição logocêntrica tem escolhido para descrever e explicar a relação “original”/tradução derivam precisamente dessa concepção clássica de signo e das relações que lhe permitem estabelecer com seu referente. Portanto, dela derivam também os preconceitos, as noções de inadequação e inferioridade, de traição e de deformação e, sobretudo, a impossível tarefa que se impõe a todo tradutor: a expectativa de que seja não apenas invisível e inconspícuo, mas que possa também colocar-se na pele, no lugar e no tempo do autor que traduz, sem deixar de ser ele mesmo e sem violentar a sintaxe e a fluidez de sua língua, de seu tempo e de sua cultura.
Se toda tradução “falha” ao tentar reproduzir a totalidade do seu “original”, é exatamente porque não existe essa totalidade como uma presença plasmada no texto e imune à leitura e à mudança de contexto, mesmo dentro do que chamamos de uma única língua, destabilizando, assim, a concepção logocêntrica de origem e plenitude e conseqüentemente, a crença na possibilidade de significados estáveis e independentes do jogo lingüístico.
E a autora ainda afirma que, a força da desconstrução ultrapassa os limites de uma teoria da tradução e até mesmo de uma teoria da linguagem nos moldes tradicionalmente restritos. Como conclui Derrida, em “A Farmácia de Platão”, ao lidarmos com o problema da tradução, estamos lidando com um problema de filosofia. Se a passagem de um significado de uma língua para a outra, de um contexto, de um tempo e lugar para outros,  é irremediavelmente marcada pela diferença e pelo adiamento,  se aquele que supomos ser o “mesmo” é flagrado como “diferente” e como “outro” nessa passagem de uma língua para outra, como poderá a filosofia proteger desse jogo implacável seu interesse inaugural na possibilidade de uma “passagem” para uma verdade universal anterior e exterior a qualquer língua?
E a autora ainda afirma que, nesse sentido, a problemática da tradução - tão perigosa para os interesses da lingüística e da teoria literária comprometidas com o logocentrismo passa a ser identificada com a problemática da filosofia. Como o “fracasso” primordial de toda tradução é chegar tarde, é ser incapaz de “testemunhar” a história em sua “ocorrência original”, a partir do momento em que se desmascara a impossibilidade desse testemunho mesmo dentro de uma língua, a tradução passa a ser reconhecida como “uma atividade crítica, uma forma de desmontar uma percepção ou compreensão ilusória da história” (Shoshana Felman). Passa a ser também “uma metáfora da própria história”. “A tradução não é, pois, nem a vida nem a morte” do texto mas sua ”sobrevivência, sua vida após a vida, sua vida após a morte”.
Nesta reavaliação da tradução, talvez entre o reconhecimento da figura do tradutor, tão maltratada e tão diminuida por teóricos, críticos e os próprios tradutores.
Para o logocentrismo, o ideal da tradução, não cabe a atuação interferente do tradutor, que deve se limitar à invisibilidade. Para Lawrence Venuti, os leitores em geral lêem ou querem ler o texto traduzido como se este não fosse estrangeiro, como se tivesse escrito em sua própria língua. Como afirma Venuti, os tradutores ao serem forçados a abrir mão de quaisquer direitos autorais e ao aceitar uma remuneração baseada no número de palavras ( ou, em nosso caso, no número de laudas) traduzidas, os tradutores são “rotineiramente alienados do produto de seu trabalho” através de relações de produção que se assemelham mais às que organizam a mão-de-obra em outros setores da economia.
Separa-se, portanto, o autor do tradutor, o “original” da derivação, a presença do simulacro - também no front socioeconômico. Reconhece-se o primeiro enquanto criador que detém o controle - em mais de um sentido - de seus direitos autorais e atribui-se ao segundo uma função meramente mecânica e coadjuvante, que merece um reconhecimento e uma remuneração também secundários. Como toda tradução constitui uma ameaça concreta ao estabelecimento dessa diferença já consagrada entre produção e reprodução que, como lembra Lori Chamberlin, é “essencial para o estabelecimento do poder “as políticas que controlam seu comportamento socioeconômico e institucional têm que tentar manter a tradução e o tradutor nos limites da transparência.
A concepção  tradicional de fidelidade que pressupõe o respeito à figura autoral que, em nossa sociedade ainda patriarcal, se confunde com a figura do pai - não passa de um recurso eficiente que permite ao tradutor refugiar-se do sentimento de culpa resultante da “transgressão” cometida por sua inevitável interferência autoral no texto que traduz. Para o tradutor, a proibição dessa interferência “indevida”, dessa usurpação do lugar autoral e paterno parece se resolver e se anular, pelo menos superficialmente, no empenho declarado de alguma forma de fidelidade. Ou seja, é em nome de uma fidelidade - parcial ou total - ao texto de origem que o tradutor, implícita ou explicitamente, impõe ao texto que traduz os significados inevitavelmente forjados a partir de seus próprios interesses e circunstâncias.
Alguma forma de violência, alguma forma de parricídio é inerente à atividade do tradutor que, como qualquer leitor, inevitavelmente ocupa o lugar autoral no momento de acionar sua produção de significados a partir do texto de outro. Se abrirmos mão da ilusão de que possa haver um signficado externo ao jogo da “différance” que inaugura e promove a linguagem, a leitura e a tradução não podem envolver um processo de resgate ou de recuperação dos significados originalmente  pretendidos pelo autor e passam a ser reconhecidas como atividades essencialmente autorais. Se, no processo de tradução, o tradutor, ou tradutora, tem que necessariamente tomar o lugar do autor e se apossar de seu texto para que esse possa sobreviver em outra língua, não há como eliminar esse momento de usurpação e de conquista, que a reflexão desconstrutivista flagra e desmascara.
Uma das implicações fundamentais da aceitação da presença do “outro” autor no texto traduzido é a possibilidade de tradutores e tradutoras deixem de fingir uma neutralidade e uma ausência impossíveis e, conseqüentemente, uma inocência e uma fidelidade também impossíveis, abrindo caminho para o início de uma nova tradição instalada fora dos limites da invisibilidade e da culpa milenares que têm constituído o cenário e o enredo de seu trabalho. Quanto mais visível se tornar a presença do tradutor no texto traduzido, quanto maior sua visão acerca do processo do qual é agente e produtor, menores serão as chances de que seja ignorado, marginalizado e indignamente remunerado. Afinal quem se percebe “visível” pode reconhecer-se no que faz e reivindicar o reconhecimento daqueles que utilizam e avaliam seu trabalho. Como um Édipo que reconhece a força e a violência de seu desejo e, sobretudo, como o Édipo que habita a maioria dos mortais, a tradutor pode “racionalizar” o sentimento de culpa e evitar cegueira auto-infligida a partir do momento que reconhece que seu desejo, além de simbólico, é o inevitável agente detonador de todo e qualquer processo de significação, em seu sentido mais amplo.

Alguns exemplos de tradutores e a sua  visibilidade na obra literária brasileira.

O tradutor Manuel Bandeira

Gilberto Teles afirma: “Manuel Bandeira é assim o poeta que procurou conhecer a sua arte e a soube como ninguém. Um poeta que ousava experimentar e sabia selecionar os seus momentos de poesia. Explorou em todos os sentidos o sistema da poesia tradicional  e nunca o abandonou(...) Combinava o velho com o novo numa admirável síntese poética.”
Como tradutor, Manuel Bandeira verteu para nossa língua o Macbeth de Shakespeare, Maria Stuart de Schiller, o Auto do divino Narciso de Juana Inês de la Cruz, O D. Juan Tenorio de Zorrilla e numerosos  poemas avulsos reunidos no volume Poemas Traduzidos. Traduziu também teatro, obras no exterior e poemas musicados. Afirmou  em sua Antologia Poética que a sua tradução era para marcar a evolução de sua poesia, e reunindo suas traduções em sua antologia, ele estava aproveitando o que melhor saberia lhe representar em sua sensibilidade e em sua técnica.
Segundo Nicola e Infante, Manuel Bandeira, numa atitude até comum no Modernismo, recriou  vários textos consagrados da literatura em língua portuguesa. Essa recriação era chamada pelo próprio Bandeira de tradução. O seu trabalho recreativo de tradução era  profundamente ligado à própria natureza do fazer poético e à reconstrução lingüística do texto. Na sua “re-tradução”, Bandeira se preocupava inclusive com a disposição gráfica, demonstrando, assim, sua criatividade.
Há também um trabalho lingüístico com o texto:
Bocage: Dar-me em teus brandos olhos desmaiados”
Bandeira: “Me dar nos teus brandos olhos desmaiados”
Exemplificando mais temos, um poema de Joaquim Manuel de Macedo, que Bandeira escolheu  e o “traduziu” para o caçange (caçange é a designação dada a um dialeto português falado em Angola,  e é considerado um português mal falado e mal escrito):
Eis o original de Macedo:
Mulher,irmã, escuta-me: não ames,
quando a teus pés um homem terno e curvo
jurar amor, chorar pranto de sangue,
não creias, não mulher: ele te engana!
as lágrimas são galas da mentira
e o juramento manto da perfídia
Eis a tradução de Manuel Bandeira:
Tereza, se algum sujeito bancar o  sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
Cai fora.


Outros Exemplos:
Emily Dickinson
I died for beauty, but was scarce
Adjusted in the tomb
When one who died for truth was lain
In  an  adjoining  room
He questioned softly why I faield
“for beauty”, I replied.
“And I for truth, - the two are one;
We brethren are,” he said

And so, as kinsmen met a night
We talked between the rooms,
Until the moss had reached our lips,
And covered up our names.



Tradução de Manuel Bandeira
Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
alguém que morrera  pela verdade
Era depositado no carneiro contíguo.

Perguntou-me  baixinho  o  que  me  matara:
-A beleza, respondi.
- A mim, a verdade - é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram ,
Conversamos de jazigo em jazigo,
até que o musgo alcançou os nossos lábios
e cobriu os nossos nomes.

Oração
São Francisco de Assis
Oh! Senhor, faze de mim um instrumento da tua paz;
Onde há  ódio, faze que eu leve Amor;
Onde há ofensa, que eu  leve o Perdão;
Onde há discórdia, que  eu  leve a  União;
Onde há dúvida, que eu  leve  a Fé;
Onde há erro, que eu  leve  a Verdade;
Onde há  desespero,  que eu leve a Esperança;
Onde há  tristeza, que eu leve a Alegria;
Onde há  trevas, que eu leve a Luz.

Oh! Mestre, faze que eu procure menos
Ser consolado do que consolar;
Ser compreendido do que compreender;
Ser amado do que amar.

Porquanto
É dando que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
É morrendo que se ressuscita para  a  Vida Eterna.

Acalanto para Deus Menino
Juana Inês de la Cruz

Pois meu Deus nasceu para penar
Deixem-no velar.
Pois está  desvelado   mim,
Deixem-no  dormir.
Deixem-no   velar:
Não há pena em quem ama,
Como não penar.
Deixem-no dormir:
Sono é ensaio da morte
Que um dia há de vir.
Silêncio, que dorme.
Cuidado,  que vela.
Não o despertem, não.
Sim, despertem-no, sim.
Deixem-no velar.
Deixem-no dormir.






Torso Arcaico de Apolo
Rainer Maria Rilke

Não sabemos  como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas, porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a  luz  do olhar, que salta

E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara

Não fosse  assim, seria  essa estátua uma mera
Pedra, um  desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida
Como uma estrela; pois  ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida

O Tradutor Carlos Drummond de Andrade

O poeta escreveu:
“Penetra surdamente no reino das palavras.
 Lá estão os poemas.”
O escritor, poeta e tradutor move-se com naturalidade e invenção diante de suas poesias, crônicas e não é diferente nas traduções.
A obra tradutória de Drummond é diversificada e funcionou como uma oficina e laboratório, sem contar que sua obra poética é uma grande força da tradução a nível mundial.
No livro Farwell de Drummond,  o consagrado tradutor Silviano Santiago nos confirma, em seu posfácio: “No caso de Carlos Drummond de Andrade, a simplicidade é um exercício ético  que tem como campo de trabalho (o poeta diria, de luta) as palavras nas suas manifestações imperiosamente coloquiais (...) O erotismo, explícito ou implícito na linguagem poética de Drummond, situa os poemas no aqui e agora, a fim de que as palavras não se percam nos meandros dos floreios verbais bonitos e vazios.”
Drummond traduziu  as seguintes obras:
*      1943 - é publicada a sua tradução de Thérése Desqueyroux, de François Mauriac sob o título  Uma gota de veneno.
*      1947 - é publicada a sua tradução de Les Liaisons Dangereuses, de Choderlos de Laclos.
*      1954 - aparece a sua tradução de Les Paysans, de Balsac.
*      1956 - aparece a sua tradução de Albertine Disparue, ou La Fugitive,  de Proust.
*      1959 - é levada à cena e publicada a sua tradução de Doña Rosita la soltera, de Garcia Lorca, pela qual recebe o Prêmio Padre Ventura, do Círculo Independente de Críticos Teatrais.
*      1962 - aparecem as traduções de L’Oiseau Bleu de Maeterlinck, e Les Fourberies de Scapin, por esta segunda, que o Tablado leva à cena, recebe novamente o Prêmio Padre Ventura.
*      1963 - Aparece a sua tradução de Sult (Fome) de Knut Hamsun
*       A partir desta data Carlos Drummond de Andrade passa a colaborar com a tradução mundial, quando então, começam a ser publicados em vários idiomas seus belos poemas.
*       
*       
Trechos da Tradução Sult (Fome) de Knut Hamsun:

“Ela me envolve o pescoço com o braço, vagarosa e ternamente; as narinas, róseas e palpitantes, lançam-me seu  hálito em pleno rosto; com a outra mão, começa a soltar os botões, um a um. Ri contrafeita um riso breve, e observa-me repetidamente, para ver se reparei no seu medo. Desata as fitas, desaperta o colete, encantada e ansiosa. E minhas mãos rudes se emaranham  nesses botões, nessas fitas...”

Outro trecho:

Será que verei, uma vez última
 o homem, a terra, o sangUinio crepúsculo?
Deixará  meu coração de bater esta noite?
É o adeus a todas as coisas? Que importa.
Nada termina, com a morte.

Nascemos, morremos e tornamos a nascer,
homens, vida terrestre, púrpura da aurora.
A morte é uma  parada no abrigo do sono,
e a vida, um alvorecer continuadamente renovado.
Por entre os mortos, despertaremos.”

O tradutor Paulo Rónai

Paulo Rónai é um teórico da tradução. Muitas obras já foram publicadas, muitos pensamentos do tradutor e escritor sobre a tradução já foram difundidos e são motivos de pesquisas. Paulo Rónai em sua obra teórica analisou as definições do tradutor e da tradução, seu poder etimológico, seu limite, os usos e abusos da tradução, a tradução poética, a tradução literária e a tradução técnica.
Para o tradutor, Carlos Drummond de Andrade escreveu:
“O português, como o aprendi,
Paulo Rónai conta, fagueiro.
Outra façanha dele eu vi:
aprendeu a ser brasileiro.”

Tradutor de muitas vozes, de muitos idiomas.
O tradutor Aurélio Buarque de Holanda assim o define: “Erudição e sagacidade crítica se reúnem, por exemplo, no escólio acerca das traduções - em inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, português.
Tudo quanto Rónai pensa e diz é -além de substancialmente importante - de uma textura tão sólida, tão bem concatenada, em sua pura simplicidade, que não é fácil compendiá-lo. Cumpre-se lê-lo na  íntegra.
Mestria larga e variada. Mestria em literatura, em línguas, em tudo que ficou dito - e na arte da amizade”.
Paulo Rónai  deixou na Europa (húngaro de nascimento) 15 anos de poemas traduzidos, dois mil anos  de poesia latina, odes de Horácio, tradução de Mar de Histórias, tradução para o francês das Memórias de um Sargento de Milícias, poemas húngaros para o português e o livro Mensagem do Brasil (poesias reunidas) que saiu em húngaro, Rilke, Shaw, Verdier e outros. Houve também a tradução de poetas brasileiros tais como: Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Jorge Lima, Cecília Meirelles entre outros.
Rónai considera o Brasil sua nova pátria, e existe em seu pensamento,  um enriquecimento íntimo no exercício da tradução.


E agora, José
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José
A festa acabou
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta.
e agora, José?

Está sem mulher
está sem carinho
está sem discurso
já não pode beber
já não pode fumar
cuspir já não pode
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
não veio a utopia
 e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo matou,
e agora, José?

E agora, José?           
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,

sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar
mas o mar secou
quer ir para Minas,
Minas não há mais.

José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse
se você cansasse
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, Jose!
Sozinho no escuro
 qual bicho do mato,
sem teogonia
sem parede nua
para encostar,
sem cavalo preto
 que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?



And now, José?
Tradução: Paulo Rónai

And now, José?
The party done,
the lights gone out.
the guests gone home,
the night grown cold,
and now, José?
and now, you over there?
you the nameless,
mocking the rest
composing verses,
loving, protesting,
and now, José?

You have no woman
you have no speeches,
you have no loving.
you cannot drink,
you cannot smoke,
spit you cannot,
the night grown cold,
the day not come
and all is done
and all is gone
and all is mold,
and now, José?

And now José?
Your dulcet words,
your moment of fever,
your greed and fasting,

your roomful of books,
your gold-mine lands
your suit of glass
your incoherence,

your hate - and  now?

The key in your hand,
you would open the door,
there is no door;
you would die in the sea,
the sea is dry
you would go  to Minas
Minas is no more
José, and now?

If you  were to scream
if you were to sigh
if you  were to play
a Viennese waltz
if you were to sleep
if you were to droop
if you were to die....
but you do not die,
you are hard, José!
Alone in the dark
like a beast  in  the woods,
without a  theogony,
without a bare wall
for leaning upon ,
without a black horse
to flight at a gallop
José, you go on
Where to, José?


O  Co-tradutor Guimarães Rosa
A desmontagem literária de Guimarães Rosa e a febre de cooperação com os tradutores

Iná Vergangieri em recente trabalho para o Jornal da Tarde (18.05.96) escreveu sobre a febre de colaboração de Guimarães Rosa com a tradutora Harriet de Onís.
Segundo a mesma, Rosa ao tornar-se assíduo colaborador de seus tradutores, tentando esclarecer  suas dúvidas, corrigindo provas e sugerindo alternativas de tradução em diversos idiomas (que dominava em diferentes graus), vivenciou uma experiência rara: a do autor que assume o papel de tradutor e procede a uma releitura de sua obra com vistas à elucidação de seus próprios mecanismos criativos.
Para Verlangieri, obviamente, este “desvelamento” dos processos criativos por parte do autor não se faz de maneira totalmente proposital e consciente. Nenhum autor está plenamente disposto a revelar todos os seus recursos e fornecer uma “receita” das suas criações. Mesmo porque estas, muitas vezes, podem ter surgido de forma inconsciente. Como bem observou Jorge Luis Borges, “um esquecimento estimulado pela vaidade, o temor de confessar processos mentais que advinhamos perigosamente comuns, a tentativa de manter intacta e central uma reserva incalculável de sombra velam as tais escrituras diretas. A tradução, por outro lado, parece distinada a ilustrar a discussão estética..”
Para Iná Valéria Rodrigues Verlangieri, no caso específico de Guimarães Rosa e sua tradutora para o inglês, este processo de releitura da obra revelou-se, de início, até mesmo doloroso para o autor. (...)
(...) Mas, vencida esta primeira resistência “psicológica”, o trabalho pareceu entusiasmá-lo de forma sempre crescente; e a tal ponto que, no afã de auxiliar a sua tradutora a identificar e elucidar os seus processos criativos, Guimarães Rosa chegou a escrever-lhe cartas de até sete páginas com centenas de explicações, a redigir glossários, e até mesmo a fazer desenhos, acometido pelo que chamou de “cooperation fever”.
Segundo a pesquisadora, as quase 350 cartas que constituem a correspondência do autor com seus tradutores fornecem, assim, extenso e valioso material para o conhecimento da elaboração da obra rosiana, além de representarem, do ponto de vista da tradução, uma importante fonte para estudos tradutológicos.
Além disso, o processo de “desmontagem” e “recriação” a que a tradução submete a obra original parece imperceptivelmente conduzir a reflexões sobre a própria natureza do texto literário e da tradução. Enquanto autor participante no processo tradutório de sua obra, em contato com tradutores particularmente interessados em literatura, Guimarães Rosa foi levado a refletir sobre a questão da criação e da tradução literárias. Sua experiência de autor amplamente traduzido e algumas de suas opiniões sobre a tradução literária, por exemplo, ilustram atualmente trabalhos teóricos sobre a tradução, tais como os de Paulo Rónai e Erwin Theodor Rosenthal; para citar apenas dois dos mais divulgados no País.
Para Vergangieri, quanto às reflexões de ordem estética contidas na correspondência de Guimarães Rosa com seus tradutores, constituem-se num verdadeiro "comentário" do autor sobre sua produção. A importância dessas reflexões reside em grande parte no fato de tratarem-se de comentários espontâneos, surgidos quase que inconscientemente, durante o processo tradutório, com o intuito único de auxiliar aos tradutores na compreensão e recriação da obra. Diferentes, portanto, dos depoimentos “conscientes”sobre sua criação, como aqueles que o autor faria, digamos, num ensaio teórico ou numa entrevista sobre sua obra. Neste sentido, T. S. Eliot adverte-nos sobre a parcialidade com que os autores tendem a depor sobre sua própria criação, comportando-se mais como advogados do que como juízes. O poeta, diz Eliot, está sempre tentando defender o tipo de poesia que está escrevendo, ou formular o tipo de poesia que gostaria de escrever. O que o poeta escreve sobre poesia, em suma, deveria ser avaliado em relação à poesia que ele escreve.
A autora afirma no  Jornal da Tarde que, no caso específico de Guimarães Rosa, está claro que não se deve tomar suas reflexões no âmbito de uma “estética preconizada por Guimarães Rosa”. Principalmente porque os comentários do autor com seus tradutores referem-se a uma obra específica e não têm a pretensão de generalizar uma experiência particular. A autora alega que o autor escreveu sobre o que considerava poético em Sagarana, por exemplo, deve ser avaliado em relação a Sagarana e não expressa necessariamente sua visão do poético em Corpo de Baile ou uma sua visão poético em geral. É inegável, por outro lado, o valor dessas reflexões para um trabalho que deseje traçar os contornos de uma poética rosiana para esta ou aquela obra específica.
Paulo Rónai sustenta que o tradutor deve pôr inteiramente de lado a preocupação e deixar que seu trabalho fique com um sabor exótico e uma parcela de opacidade. Este afirmou: “O ficcionista João Guimarães Rosa, que, depois de suas obras começarem a ser vertidas para línguas estrangeiras, entrou a meditar a fundo sobre as questões da tradução, era um ditar a fundo sobre as questões da tradução, era um desses. No Prefácio generosamente anteposto a minhas traduções de contos húngaros, criticou-me assim, com o jeito amavelmente diplomático de quem elogia:”

Saudável é notar-se que ele não pende para a língua natal, não imbui de modos-de-afeto seus textos, que nem mostram sedimentos da de lá; não magiariza. Antes, é um abrasileiramento radical, um brasileirismo generalizado, em gama comum, clara, que dá o tom. A mim, confesso-o, talvez um pouquinho, quem sabe, até agradasse também a tratação num arranjo mais temperado à húngara, centrado no seio húngaro, a versão estreitada, de vice-vez, contravernacular, mais metafrásica, luvarmente translatícia, sacudindo em suspensão vestígios exóticos, o especioso de traços hungarianos, hungarianos - o ressaibo e o vinco - como o tokái, que às vezes deixa um sobregosto de asfalto. Mesmo à custa de, ou -  franco e melhor falando - mesmo para haver um pouco de fecundante corrupção das nossas formas idiomáticas de escrever.”
 (Antologia do Conto Húngaro, Paulo Rónai, 1975).
Segundo a redação da Folha de São Paulo (30.06.96)  as cartas de Guimarães Rosa a seus tradutores são de especial interesse aos estudiosos de aspectos metafísicos de Guimarães Rosa, já que nelas ele reafirma constantemente o modo como queria que sua obra fosse entendida. É em uma famosa carta para Edoardo Bizzarri, seu tradutor italiano, que Rosa elabora uma “tabela” de apreciação de sua obra e dá o maior valor (quatro pontos) para os aspectos metafísicos -religiosos (cenário e realidade sertaneja, enredo  e poesia recebem, respectivamente, um, dois, três).
Para a redação da Folha,  as cartas são, entretanto, instrumento fundamental para qualquer analista da obra de Rosa, uma vez que fornecem ao estudioso diversas chaves da construção de seu texto. Na verdade, é difícil  que qualquer pessoa interessada em literatura não aprecie a requintada construção e o elevado valor artístico da correspondência, como se pode ver nos trechos inéditos publicados abaixo pelo Mais!
A Folha informa que os trechos- em que foram mantidas os recursos de ênfase do autor, o espaçamento e a pontuação dos originais (apenas a ortografia foi atualizada de acordo com as normas vigentes), foram cedidos pelo IEB (Instituto de Estudos Brasileiros, que detém a guarda do acervo do escritor, no qual se encontra a série “Correspondência com Tradutores”.
Segundo a Folha, além do tradutor italiano, o escritor se correspondeu basicamente com tradutores da Alemanha, França, EUA e Espanha. Deste imenso volume de cartas -quase 350 no total-, apenas a correspondência com Edoardo Bizzari já foi integralmente editada, pelo Instituto Cultural Italiano (a edição está esgotada, mas há a intenção de reeditá-la).
Pronta para a edição  está, também, a correspondência  com a tradutora norte-americana, Harriet de Onis, que pode ser publicada pela Editora da UNesp no ano de 1996.  As cartas foram preparadas por Iná Valéria Verlangieri, uma das organizadoras de toda a correspondência do autor no IEB e autora da Tese - “J.Guimarães Rosa - Correspondência Inédita com a Tradutora Norte-Americana Harriet de Onis - Parte 1 (sob orientação da professora Lenira Marques Covizzi).
Guimarães Rosa construiu sua obra com a dedicação apaixonada e enfatizou a tradução dando a esta a uma importância através das palavras e sentidos  a partir da essência dos idiomas. Lendo escondido e espiando o mundo através de lentes, Guimarães nunca deixou de se fascinar com as palavras, procurando-as em várias línguas.
Eis os trechos das cartas do autor à tradutora norte-americana  Harriet de Onís publicada pelo Jornal da Tarde  (edição de 18.5.96)


"Deve ter notado que, em meus livros, eu faço, ou procuro fazer isso, permanentemente, constantemente com o português: chocar, ‘estranhar’ o leitor, não deixar que ele repouse na bengala dos lugares-comuns, das expressões domesticadas e acostumadas; obrigá-lo a sentir a frase meio exótica, uma ‘novidade’ nas palavras, na sintaxe. Pode parecer crazy de minha parte, mas quero que o leitor tenha de enfrentar um pouco o texto, como a um animal bravo e vivo. O que eu gostaria era de falar tanto ao inconsciente quanto à mente consciente do leitor." (Carta a Harriet de Onís de 2 de maio de 1959)

"Sei que o absoluto horror ao lugar comum, à frase-feita, ao geral e amorfamente usado, querem-se como características do ‘Sagarana’. A Srª terá notado que, no livro todo, raríssimas serão as fórmulas usuais. A meu ver, o texto literário precisa de ter gosto, sabor próprio — como na boa poesia. O leitor deve receber sempre uma pequena sensação de surpresa — isto é, de vida. (...)

No texto original do ‘Sagarana’, é assim: o leitor compreenderá, mas as expressões, mesmo as aparentemente triviais, são próprias, soluções de criação pessoal, do autor. Nada de frases já gastas, já adormecidas e embotadas pelo excesso de uso." (Carta a Harriet de Onís de 11 de fevereiro de 1964)

"Acho, também, que as palavras devem fornecer mais do que o que significam. As palavras devem funcionar também por sua forma gráfica, sugestiva, e sua sonoridade, contribuindo para criar uma espécie de ‘música subjacente’. Daí o recurso às rimas, às assonâncias, e, principalmente, às aliterações. Formas curtas, rápidas, enérgicas. Força, principalmente." (Carta a Harriet de Onís de 11 de fevereiro de 1964)

"Mas, o mais importante, sempre, é fugirmos das formas estáticas, cediças, inertes, estereotipadas, lugares-comuns, etc. Meus livros são feitos, ou querem ser pelo menos, à base de uma dinâmica ousada, que, se não for atendida, o resultado será pobre e ineficaz. Não procuro uma linguagem transparente. Ao contrário, o leitor tem de ser chocado, despertado de sua inércia mental, da preguiça e dos hábitos. Tem de tomar consciência viva do escrito, a todo momento. Tem quase de aprender novas maneiras de sentir e de pensar. Não o disciplinado — mas a força elementar, selvagem. Não a clareza — mas a poesia, a obscuridade do mistério, que é o mundo. E é nos detalhes, aparentemente sem importância, que estes efeitos se obtêm. A maneira-de-dizer tem de funcionar, a mais, por si. O ritmo, a rima, as aliterações ou assonâncias, a música ‘subjacente’ ao sentido — valem para maior expressividade. (...)

O que melhor nos aproximará: traduzir como se fosse poesia, poemas, versos, e não prosa prosaica." (Carta a Harriet de Onís de 4 de novembro de 1964)

"Conto com que estes esclarecimentos lhe sejam úteis. No mais, siga suas magníficas intuições: procurando sempre o mágico acima do lógico, a poesia antes que a clareza, a originalidade e novidade, a força, dinâmica, energia, principalmente. O importante é nos recusarmos a quaisquer lugares-comuns. Melhor é deixar pontos obscuros que querer explicar o óbvio, com prejuízo da poesia. O próprio mundo é uma coleção de enigmas giratórios. A vida e a ‘garra’ expressiva das estórias devem prevalecer sobre os meros enredos ou assuntos. Não acha?" (Carta a Harriet de Onís de 4 de março de 1965)

"Por tudo isso é que — como a Sra. ‘arduamente’, ‘doloridamente’ já está sabendo — nos meus livros (onde nada é gratuito, disponível, nem inútil), tem importância, pelo menos igual ao do sentido da estória, se é que não muito mais: a poética ou poeticidade da forma, tanto a ‘sensação’ mágica, visual, das palavras, quanto a ‘eficácia sonora’ delas; e mais as alterações viventes do ritmo, a música subjacente, as fórmulas-esqueletos das frases — transmitindo ao subconsciente vibrações emotivas sutis. (...)

E é por isto - para termos um livro vivo, ativo, um livro novo, mesmo - que temos de fugir do habitual, eliminar o lugar-comum; em suma: evitar tudo o que o leitor preguiçoso normalmente espera do autor preguiçoso. Mas, nós, não somos assim. E O SAGARANA em inglês há de superar o ‘Sagarana’ original." (Carta a Harriet de Onís de 4 de março de 1965)

"Agora, no meu caso, como ia dizendo, acresce que o fenômeno angustiante seria mais de processo psicológico. Rever qualquer texto meu, já, de si, é qualquer coisa de tremendo; porque o meu incontentamento é crescente, a ânsia de perfectibilidade, fico querendo reformar e reconstruir tudo, é uma verdadeira tortura." (Carta a Harriet de Onís de 23 de abril 1959)

"Creio que não devemos temer um pouco de ousadia, de impregnação do texto inglês pelas esquisitices do texto português. No original, não há, praticamente, lugares-comuns. Tudo é atrevimento, estranhez, liberdade, colorido revolucionário. Todo automatismo de inércia, da escrita convencional, é rigorosamente evitado. Tudo pela poesia e por caminhos novos! Acabarão aceitando." (Carta a Harriet de Onís de 3 de abril de 1964)

"Esta é muito séria. Refere-se à frase final do conto, à página 26, na última linha (no original: "É o mato, todo enfeitado, tremendo também com a sezão.") ‘And the forest, all bedecked, shivering, too, with malaria’ não fica bem. Apesar de vigorosa e exatamente corresponder ao original, sucumbe a uma dessas traições do traduzido. No original, a coisa se salva, pela forte ingenuidade ‘primitiva’ de que se reveste. Sua música é forte, e a palavra final ‘sezão’ funciona: pela carga de rusticidade que traz e pela própria sonoridade grossa. Mas, em inglês, temos de pensar algo menos frouxamente ingênuo e mais ‘funcional’. Por motivos óbvios, trata-se de frase muito perigosa!" (Carta a Harriet de Onís de 24 de setembro de 1964)

"THE RIVER WAS A PROLONGED, MOANING TONE (pag.12, linha 15). No original: O rio era um longo tom lamentoso. Aqui, devo confessar-lhe um capricho de autor. Esta, em todo o conto, é talvez a frase a que me apego mais. Eu mesmo acho nela, em português — talvez pela aliteração, teor curto, e assonâncias, — algo de inusitado, de ‘traduzido’, de estranho, de força encantatória. Por isso foi que, para passagem aparentemente tão simples, tão sem importância para o leitor comum, e que no seu primeiro draft estava perfeitamente traduzida quanto ao significado externo das palavras, apresentei duas sugestões, no nº 111 das ‘NOTAS’. Não me satisfaz o PROLONGED. E lhe peço: não seria possível deixarmos a forma:

THE RIVER WAS A LONG MOANING TONE — ? (sem vírgula separando o LONG do MOANING). Sinto, nela, qualquer coisa de curto, forte, concreto, inteiro, animal, primitivo, elemental, escuro e dinâmico, intenso, menos comum, mais vivo. O ‘prolonged’ eu acho diluído, abstrato, previsível na frase, não fere, não choca o leitor. E, a ausência da vírgula, que proponho con amore, tira o LONG do TONE e prende-o irremediavelmente ao MOANING: como se decorresse de um TO MOAN LONG... Sei que, com isso, violentar-se-ia um pouco o ‘repouso’ idiomático do inglês. Mas... Sei que a Amiga compreenderá. São coisas e sensações difíceis de exprimir e de transmitir." (Carta a Harriet de Onís de 2 de maio de 1959)

"IN THE DISTANCE THE FOREST SLUMBERED IN QUIET PEACE, IN A SILENCE THAT WAS ALMOST AUDIBLE (pag.12, ls. 14/15). (No original: "No mais, distante, o mato dormia, num quiriri sem alarmas.") Aqui, também por motivos de vis poética, a frase não me agrada. Acho que ficou sem força, sem mistério. O ‘quiriri’, do texto original, é palavra índia, cheia de superstição, de ‘coisa cósmica’, de magia primitiva, de animismo, de sentido ‘pânico’. A floresta é sentida como um enorme animal, que fala tão alto, ou tão grave, que os ouvidos da gente não lhe captam as vozes; um animal enorme, que ressona mudamente. É um silêncio que assusta, como pausa prestes a rebentar em rugidos e trovão. Daí não servir de maneira alguma o IN QUIET PEACE, nem o THAT WAS ALMOST AUDIBLE. Pergunto, pois, e peço: seria possível — ainda que, no caso, fique meio forçado o espírito idiomático da língua inglesa — seria possível deixarmos:
IN THE DISTANCE, THE FOREST, SLUMBERED ALARMLESS, IN AN ALMOST RESONANT SILENCE —?

(Acho importante que o final da frase seja: ... resonant silence —, pela bela aliteração, que joga, inconscientemente, o leitor para adiante, para o mistério.)" (Carta a Harriet de Onís de 2 de maio de 1959)

AS ANCAS BALANÇAM, E AS VAGAS DE DORSOS, DAS VACAS E TOUROS, BATENDO COM AS CAUDAS, MUGINDO NO MEIO, NA MASSA EMBOLADA, COM ATRITOS DE COUROS, ESTRALOS DE GUAMPAS, ESTRONDOS E BAQUES, E O BERRO QUEIXOSO DO GADO JUNQUEIRA, DE CHIFRES IMENSOS, COM MUITA TRISTEZA, SAUDADE DOS CAMPOS, QUERÊNCIA DOS PASTOS DE LÁ DO SERTÃO ...

"Também é um período só ‘sono-plástico’, que, à base da metrificação e da pontuação rigorosa, escandindo ‘versos’, serve é para figurar outro dos ritmos tomados pela boiada em marcha." (Carta a Harriet de Onís de 11 de dezembro de 1963)

GALHUDOS, GAIOLOS, ESTRELOS, ESPÁCIOS, COMBUCOS, CUBETOS, LOBUNOS, LOMPARDOS, CALDEIROS, CAMBRAIAS, CHAMURROS, CHURRIADOS, COROMBOS, CORNETOS, BOCALVOS, BORRALHOS, CHUMBADOS, CHITADOS, VAREIOS, SILVEIROS.. E OS TOCOS DA TESTA DO MOCHO MACHEADO, E AS ARMAS ANTIGAS DO BOI CORNALÃO...

"Esses adjetivos, referentes a formas ou cores dos bovinos, são, no texto original, qualificativos rebuscados, que o leitor não conhece, não sabe o que significam. Servem, no texto, só como ‘substância plástica’, para, enfileirados, darem idéia, obrigatoriamente, do ritmo sonoro de uma boiada em marcha. Por isso, mesmo, escolheram-se, de preferência, termos desconhecidos do leitor; mas referentes aos bois. Tanto seria, com o mesmo efeito, escrever, só: la-lala-la... lá, rá, lá, rá... lá-lá-lá... etc., como quando se solfeja, sem palavras, um trecho de música. Note também como eles se enfileiram, dois a dois, ou aliterados, aos pares de consoantes idênticas, iniciais, ou rimando." (Carta a Harriet de Onís de 11 de dezembro de 1963)

Uma homenagem ao tradutor Abgar Renault

Conforme alega  Teles em seu livro A Escrituração da Escrita (1996) “Abgar Renault demonstrou desde cedo o seu refinado gosto pela tradição literária.”
E afirma: “pode-se dizer que o normalmente visível se liga à tradição modernista, em que  a linguagem tem algo de mar-oceano por onde a viagem se faz integrativa, através de versos -livres que, na sua amplitude, procuram referenciar o mundo, sintaticamente organizado. O eu lírico viaja e descreve o exterior, embora, no caso de Abgar, exista sempre uma possibilidade de naufrágio ou de abismamento: o seu discurso  aponta sempre para dentro e para fora - o sujeito se abisma e viaja. Daí o seu processo estilístico mais comum: a enumeração. Enumerando, o poeta se apossa do mundo, fragmenta-o, redu-lo a palavras, transforma-o em caos para, a partir daí, organizar o seu mundo particular no cosmo do poema. Esta idéia, tomada a Octavio Paz, está perfeitamente adequada a um poeta como Abgar Renault, para quem “uma subtil disponibilidade/todas as cousas lança em liberdade,/a todas muda em sua posição, e as faz andar, gyrando em alarido que chega já sem voz a todo ouvido, ou em graves colloquios conversar, ascendendo do limbo da mudez como linguagem e dons a sussurrar, que criam mundo e vida outra vez”.” (1996:340).
O poeta Abgar Renault se apresenta da mesma forma como tradutor. As suas traduções poesias, a sua tradição, a sua escrita, nos revelam uma face secreta e original, um mundo interior da linguagem que, passada de uma língua para outra, se torna claro e excitante.
Abgar Renault excita a inteligência e a imaginação do leitor. São diversos contextos, diferentes situações, novas inferências dentro de sua obra de tradução literária.
O poeta traduziu Shakespeare, Dickinson, Thompson, Coleridge, Tagore, Rilke, Stevens, Borges, e outros. O estilo é o mais variado. Abgar Renault criou na tradução;  laços, traduzindo os poetas negros norte-americanos, a poesia inglesa e a guerra, os poetas brasileiros.
Carlos Drummond de Andrade referiu-se ao tradutor Abgar Renault com as seguintes palavras: “rigorosamente, Abgar não traduziu os poemas; fê-los de novo. Têm a serenidade, a compassada beleza, o sentimento sutil da língua, que há na poesia do nosso caro e esquivo poeta. Entretanto, são também ingleses, e são principalmente poesia, isto é, mensagem de homem para homens (...)”. E declarou:
“Abgar Renault fez bem em captar essas vozes graves e límpidas, emergindo do rumor de metralhadoras, aviões de mergulho e discursos de propaganda. Elas nos confortam e nos determinam... ensina-nos a considerar a guerra e dela participar, sem que nos tornemos simples instrumentos de economias em luta; e exige de nós apenas que sejamos realmente solidários com as coisas que amamos.” (1970: nota prévia)
Para Abgar Renault não pode haver traduções literais a rigor,  o conteúdo e a forma não são podem ser um traslado literal a um outro idioma. Para o autor  a tradução é uma busca de equivalências, e ao mesmo  tempo é rigorosa e minuciosa. Ela é minuciosa pois exige esforço intenso e extenso da criação propriamente dita.
Este alega: “É evidente que a leitura original oferece um deleite mais intenso, mais minucioso, mais completo; isso, entretanto, não diminui, nem invalida a tradução, que é um processo inestimável de aprimoramento intelectual para quantos não têm a ventura do conhecimento de línguas estrangeiras.
Existem ainda problemas de atmosfera poética, que é necessário recriar em outra língua, e, ligado intimamente a isso, o da escolha do vocabulário, pois uma palavra poderá ter conteúdo poético numa língua e não o ter em outra, em tradução literal. Enfim, a virtude capital de qualquer gênero de tradução é não dar a impressão de o ser”(1994).
Como tão bem alega Álvaro Lins em seu estudo crítico sobre o autor: “não realizou o Sr. Abgar Renault uma tradução arbitrária ou livre, mas colocou em nossa língua aquelas exigências de metro e de ritmo que os poemas traziam da língua original” (1970).Eis alguns exemplos de suas traduções:

Retrato                                                          
Cecília Meirelles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Portrait
Tradução: Abgar Renault

I did not have this face of today
so calm
so said
so thin

Nor these eyes so empty
nor this bitter mouth.

I did not have these strenghtless hands
so still
and cold
and dead.

I did not have this heart
that does not even show itself.

I did not realize this change
so simple
so certain
so easy.

           In what mirror did I lose my face




          Maçã
     Manuel Bandeira
     Por um lado te vejo como um seio murcho
    Pelo outro como um ventre de cujo umbigo
    pende ainda o cordão placentário
    És vermelha como o amor divino
   Dentro em ti em pequenas pevides
   Palpita a vida prodigiosa
   Infinitamente
  E quedas tão simples
  Ao lado de um talher
 Num quarto pobre de hotel.





Apple
Tradução: Abgar Renault
From one side I see you like a dried-up breast
From another like a belly from whose navel the umbilical cord still hangs
you are red as the as the divine love
Inside you in the little pips
palpitates as prodigious life
Infinitely
And you stand so simple
beside a piece of cutlery
         in a poor hotel room.


Poems -

       Emily Dickison

     Heart! We will forget him!
     You and I - tonight!
     You may forget the warmth he gave -
        I will forget the light

    When you have done, pray tell me
    That I may straight begin!
    Haste! lest while you’re lagging
    I remember him!

    A word is dead
   When it is said,
    some say.

    I say it just
   Begins to live
    that day.




Poemas

Tradução: Abgar Renault

Coração, esqueçamo-lo
esta noite, eu e tu!
Esquece-lhe o calor
esquecer-lhe-ei a luz.

Meu pensamento apagarei ao acabares
Apressa-te, que eu temo
lembrá-lo, se tardares...

Morre a palavra
quando é falada,
    dirão.

Digo: - Só então
ela começa a viver.

The Negro
        Langston Hughes
 I am a Negro:
 Black as the night is black
Black like the depths of my Africa
 I’ve been a slave:
Caesar told me to keep his door-steps
clean.
I brushed the boots of Washington.
I’ve been a worker:
 Under my hand the pyramids arose.
 I made mortar for the Woolsworth Building.
 I’ve been a singer:
 All the way from Africa to Georgia
 I carried my sorrow songs.
 I made ragtime.
 I’ve been a victim:
The Belgians cut off my hands in the Congo
They lynch me now in Texas
 I am a Negro:
Black as the night is black,
 Black like the depths of my Africa.

                      O negro
Abgar Renault

Sou negro:
pretro como a noite preta,
preto como as profundezas da minha África.
Fui escravo:
César me disse que conservasse limpa a soleira de sua casa;
escovei as botas de Washington.
Fui operário:
com o meu esforço ergueram-se as pirâmides.
Fiz argamassa paa o edifício Woolworth.
Fui cantor:
da África à Geórgia levei minhas canções da tristeza. Fiz um ragtime.
Fui vítima:
os belgas deceparam minhas mãos no Congo.
Agora lincham-me no Texas.
Sou negro:
preto como a noite preta,
preto como as profundezas da minha África.



A.E. Housman

    from More Poems
   Here dead lie because we did not choose
 To leave and shame the land from which
we sprung.
Life, to be sure, is nothing much to lose;
But young men think it is, and we were young.


Tradução: Abgar Renault

de More Poems
Estamos mortos porque não quisemos
viver e desonrara nossa pátria.
Certo, a vida não vale grande cousa,
mas para os moços vale, e éramos moços.


Considerações Finais:

O que é surpreendente é que, em meio a inusitada invisibilidade do tradutor citada por Venuti, o Brasil condradiz  o mesmo em um discurso e em uma obra literária histórica que já passou de um século para outro, demonstrando a sua essência e consistência. O que é surpreendente é que, no “mar de enganos” que nos cerca (em qualquer parte) surjam momentos de lucidez, tradutores como os Irmãos Campos, Abgar Renault, Carlos Drummond,  Silviano Santiago, Manuel Bandeira, Machado de Assis, Paulo Rónai, Guilherme de Almeida, Aurélio Buarque de Holanda  e outros, que dão à obra tradutória brasileira o direito de demonstrar uma visibilidade contínua e crescente, e onde o tradutor demonstra o direito usar nesta obra, em seu discurso teórico, todas as metáforas concernentes à respectiva visibilidade mostrando  sua total criatividade.
 A nossa missão é não deixar o rigor da tradução morrer, é propor sempre novos critérios, é sermos sempre mais e mais exigentes conosco e com nossos colegas. A nossa missão é, seguindo a tradição do rigor, não como epígonos, não como diluidores, encontrar a nossa contribuição  individual para que ela não morra. E nela nos inserimos. É acordá-la a cada dia, para terminar traduzindo prosa e poesia, com a lucidez, com a  visibilidade a que se propõe e se pretende.
Enfim, a tradução marca a literatura brasileira através de obras carregadas de humor e inovações, principalmente no que diz respeito  à  linguagem literária, coloquial, irônica. O Brasil construiu uma obra tradutória “original”, fugindo do constragimento do pós-colonialismo e se engendrando num modelo tradutório único  que,   prima-se  pela imortalização dos originais traduzidos, pela riqueza dos achados bilingües e pelo anúncio da volta à fonte de um patrimônio puro, de um lirismo espontâneo, singelo e genuíno, que pode ser “visualizado” nos nossos tradutores.  Um citado patrimônio que vem desde os meados do século passado até os dias atuais, sendo que, assim, a  obra tradutória brasileira faz e fez textos diferentes, incomuns,  numa linha temática que escorre elegantemente até o presente.
Na tradução no Brasil, além do elemento histórico, aparece o elemento estético e este revigora o episódio do nascimento da tradução no Brasil,  com uma visão analítica envolvida pela arte. E com alta criatividade a tradução resgata através desta citada arte a visibilidade tão acreditada por nossos diversos teóricos, contestando assim a invisibilidade da tradução citada por Venuti. Evoca também, os fatos, os eventos, a tradição e nossos tradutores, sejam estes,  poetas ou prosadores.
Substancialmente, a tradução no Brasil  resgata a cultura de um  povo e consegue abolir as fronteiras dos conceitos pré-determinados, faz um desfile dos valores históricos de outros idiomas e realiza uma dança estética literária que nos influenciou e nos influencia nos dias atuais e,  que nos leva a afirmar, que vale a pena traduzir, vale o sentido visível de ser um tradutor concreto.






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